Poema de agora: PELE IV. – Luiz Jorge Ferreira

PELE IV.

Sobre a mesa uma Natureza Morta de Paul Cézanne.
Um pouco atrás, uma janela feita de riscos de giz.
Ponteiros, relógios,
tic-tacs e pulsar de corações se encontram.
E se atrapalham no porão que o silêncio cria.

Para quê conservo em mim esta pele cheia de nódoas?
Para que guardo passos debaixo de passos,
como caranguejos abraçados a si mesmos,
achando estranho tudo isso?

Ponho dois copos sobre a mesa, um para que eu tome, outro para que Fernando Pessoa beba.

Mas nada há além da mesa, nada além da janela, mesmo que eu creia, que um imenso Universo, pulsa lá fora.

Nada se arrasta com o ‘apelido’ de tempo, afora meus pensamentos e minha sensação de Onipresença, como se eu fosse Cristo, Einstein, ou Lavosier, ou um dos Magos com as mãos, exalando… Incenso e Mirra.

Estou defronte da mesa, da Natureza Morta de Paul Cézanne, e de uma janela de riscos de giz.
Ela indiferente ao enigma que eu mesmo crio, estática olha o que faço.
Como crio a janela que de giz, existe apenas no meu imaginário.

De repente fecha suas duas partes do todo.
Não ouço mais o Universo, com seus trovões, raios, e sopros de ventos alucinados.

Agora só o silêncio da sala, enche todos os cantos.

Começo a retirar a pele.
Começo ao redor dos olhos.
Elas têm restos de olhares que caíram quando cansaram de mirar os horizontes.
Arranco os que estão mais pertos, e espalho os que estão mais longe.

Vejo que o copo parece ter sido bebido.
Fernando o bebeu, ou o tempo que detesto não poder deter, a tempo de poder retirar a pele, o secou.
Como a me avisar que não sou mais o mesmo,
que iniciou a dois minutos e quarenta e cinco segundos, esse ato de escrever.

Olho a Natureza Morta, parece que flora!
Olho a metade da minha pele …arrancada…
Como um tapete jogado, ao chão.

Quantos sinais vejo na região das costas, este pedaço, que nunca olhei.
Quantas marcas, quantos pelos, quantos anos carregando todos esses.

Tudo está embaralhado, e noto que todos os passos que
dei, estão amontoados sob a mesa, juntos com a pele do resto do corpo.

E não estou morto… imagino…
Mas…Como sei?

Luiz Jorge Ferreira

*Do livro de Poemas “Nunca mais vou sair de mim sem levar as Asas” – Rumo Editorial – São Paulo.

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