Poema de agora: SAFRA PERMANENTE (*) – Fernando Canto

SAFRA PERMANENTE (*)

Urge dizer a todos que te amo
e me alastrar, sôfrego, à tua procura diária
falar aos quatro cantos que o amor é necessário
na aventura floral desses caminhos
e que o rio transborda, seca e deixa restos
porque sou resíduo de ti,
que me semeias e me acendes
em busca de um novo tempo.

Tu és fêmea, e como tal carregas, de milênios,
a inconclusa compreensão concebida no teu útero,
estigma mundano – do homem – o preconceito.
Não seria fortuita a insaciável renitência dos olhares
que nos tangem – céticos – a mover pálpebras,
Seria por certo a espelhação daquelas almas
conflitantes e inseguras
Na absoluta podridão de suas mazelas.

Perfurados ou não, nós nos cerzimos
rasgados ou não, nos costuramos,
temos tempo para usar borracha e corrigir
o desenho do futuro – arte coloquial que criticamos
desde a configuração abstrata
delineada no passado.

Faz-se urgente empanar a couve-flor, enrolar charutos turcos e beber vinho do porto.
A água está no copo de alumínio para tirar a espinha atravessada na garganta Pois o rio dá de comer e o peixe não tem culpa desta fome incontrolável.

Decididamente tenho que gritar acompanhando o vento
ainda que me vire de repente,
pois a alastração do meu amor por ti é inevitável
é profusa, é disseminadora.

“Quem é esse?” Hão de inquirir, procurando mais motivos:
– Ofiófago, furfurácio, bucéfalo, hendecágono, biltre,
escatológico, onívoro, herbicida, satrapanca, hetacombático,
súcio, teratológico, celeumático, metacromático, tabífico,
santiâmem, ovovivíparo, safilítrico, tribático, safídico,
troglodítico, tranchucho, safardana…?
Ou ainda: – Onírico? Um pássaro? Um avião?

– Pelos poderes dos heróis no limite dos quadrinhos e dos desenhos animados, eu tenho o sonho!
A força desmedida e crua – extensão do meu amor.

Por essa ambientação do cosmo que transformo
O sal em sol
O sol em sonho
O sonho em safra permanente de existência.

E não haverá ritmo ou canção:
o brilho desse amor estará preso ao laço
que se ampliará conforme o tempo.
A chuva pingará o essencial nas estranhas da terra
e ela germinará para que vingue a flor
e a flor perfumará o necessário para estimular os sentidos
todos eles, inclusive aquele
inventado à noite para que o sonho sobreviva na memória, de manhã.

Fernando Canto

(*) Escrito em dezembro de 1986. Achado por estes dias em uma pasta azul, de papel com elástico.

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