Poema de agora: SALIVA – Luiz Jorge Ferreira

SALIVA

Mãe, não ponha está fronha suja de mãos sob o céu.
É Janeiro, e os homens vindo lá de trás apagam com ela os lampiões.
– temo que nascerá, um escuro de breu, um silêncio de ateus, é uma lua minguante, cheirando a incenso e mirra.
….tia Benedita, não lave estes rastros na trilha, e nem ponha sal sobre as gralhas, que catam migalhas que são restos de mim.
– Cadê pai?
O pai de olhos vendados, está sentado do lado em que eu amarrei a fotografia do meu velocípede.
Ele está de costas para a janela que eu abri, quando todos estavam dormindo.
Por ser um Domingo…Deus estava na Missa, no louvor, no tambor, no ninho, no crepúsculo, no molusco.
Vindo do.mar, um vento com o cheiro de peixe podre esvoaçou as páginas do Livro do Galvão.
Espalhou areia no Disco do Alcides, e calou Edvaldo Gandi, que dados jogava sobre o violão.
Lá no lixão, um cachorro parecido com cães feitos de gesso.
Latia para o por do sol, que colore as Araras.
Parecia com tantos outros cães.Que parecem com tantos outros cães, que parece, que parecerão, com tantos outros cães.

Tenho que ficar atento, ameaça- me um tempo em que ficarei, mais triste ainda.
Imaginando a lua nova, como coisa perdida na Aurora, arranharei a vida, ultrapassando a alma.
Até machucar a esperança.
Mãe… Mãe…nem saliva…nem leite.
Lavarei com chuva as feridas, e darei guarida as paixões.
Sem que nenhuma delas lembrem-se das outras.
Será o dia, em que uma vez…em vezes.
Enterrarei a saudade.

Luiz Jorge Ferreira

*Luiz Jorge Ferreira é amapaense, médico que reside em São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).
**Contribuição do amigo Fernando Canto.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *