Poesia de agora: POEMA DE RECORDAÇÃO {para dona didi}– áquila emanuelle – (@manudosertao)

POEMA DE RECORDAÇÃO*
{para dona didi}

era comum encontrar a casa
sempre cheia
corpos vozes afetos inundando
todos os espaços
a rede estirada no meio da sala
um amontoado de netos disputando
um lugar em frente a TV
num tempo em que olhar para a tela da TV era proibido
a avó com seu olhar sisudo e intrépido
berrava altiva impondo sua autoridade:
⁃ desliga essa televisão agora, menino!
era facilmente ignorada assim que saia do cômodo
e de novo mais por candura do que intenção pelo desprestígio
os netos acionavam o botão da TV
porque entre a aventura do proibido e a pueril obediência
a aventura com certos atropelos sempre vencia no final
sempre que recordo a casa vejo a imagem da avó sentada numa cadeira de balanço
com uma coberta encobrindo as pernas
a pele negra cheia de brilho
o olhar tenaz e reverente
e escuto sua voz clamando com veemência para os netos:
⁃ desliga a TV! desliga a TV!
talvez aquela altura da vida ninguém tivesse idade para entender
a natureza dessa repreensão como
uma forma de cuidado e afeto
mas sempre foi assim com a avó
seu jeito de amar os outros brigando
seu jeito de vencer as dores todas da vida brigando
seu jeito de tentar vencer a morte brigando
não resistiu…

áquila emanuelle.

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