PONTO DE MUTAÇÃO, O FILME – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Aparentemente sem movimento, mas eloquente, o filme “Ponto de Mutação”, do diretor Bernt Capra, baseado na obra homônima do físico Fritjof Capra, chegou aos meus olhos 17 anos depois de ser lançado. Na realidade veio como um bólido arrebatador e apaixonante, projetado no curso de Planejamento Estratégico Situacional na Unifap, ministrado pelo professor Charles Chelala. Com 126 minutos de duração e uma belíssima interpretação de Liv Ullmann já madura, é profundamente rico de informações sobre o que o planeta precisa para garantir a sobrevivência dos seres que o habitam. Uma proposta radical de mudança de pensamento e atitude.

A sinopse apresentada à mídia orienta que a história ocorre na era Reagan, quando uma cientista desencantada com o projeto “Guerra nas Estrelas” encontra um candidato à presidência dos EUA derrotado, baseado em Al Gore, e um poeta em crise, no litoral da França, no castelo medieval de Mont Saint Michel. Os dois se surpreendem com ela e passam a discutir ecologia, política, tecnologia e o futuro. O filme realmente é a expressão plena de um paradigma de uma nova visão de mundo que percebe a inter-relação de tudo e que vai mudar a forma de pensarmos.

O autor do “Tao da Física” relaciona o pensamento da física quântica com o pensamento por sistemas, que tanta importância vai adquirindo em muitas áreas do pensamento contemporâneo, segundo afirma o físico brasileiro Mário Schenberg. E o filme realmente retrata isso. Bernt Capra, o cineasta traz os personagens representados por San Waterson, Jonh Heard e, claro, Liv Ullmann em diálogos bem alicerçados. Passam pela visão mecanicista e cartesiana, intermediando política e problemas ecológicos conexos e crises de percepção. Não abandonam os temas atuais, como a Medicina para ricos, as guerras, a histeria dos raios ultravioletas, os desequilíbrios que o homem provoca na natureza e o envolvimento e as decepções pessoais com a política e o uso das descobertas da ciência.

O conceito de átomo é muito bem explicado, e envolve a probabilidade de conexões de partículas, cujas relações formam a matéria. Nesse momento o filme realiza o inesperado tocar do piano em que o poeta executa “Jesus, Alegria dos Homens”, de Bach e lembra a nota 7ª de um tom natural como preparação para a nota sequente. Os protagonistas tratam do cientificismo atual como uma espécie de religião, pois os cientistas transferem suas responsabilidades a quem os está pagando. Sônia acha que se deve pensar em processos, não em estruturas, e enfatiza a partir daí que a teoria dos sistemas pensa em organização, citando o exemplo da análise da árvore em que a visão cartesiana a disseca e a visão sistêmica faz relações de interdependência. É uma “teia de relações”, no dizer de Jack, o político, e uma “teia da vida”, para a física Sônia. A protagonista afirma que na vida é auto-organização e que os sistemas têm transcendências, pois a criatividade é o princípio básico da teoria da evolução, sendo esta uma dança em progresso. Ela critica o atual sistema econômico pelo obsessivo desejo de crescer sem parar e propõe, então, a busca de uma sociedade sustentável mundial.

Antes de a história terminar com um convite e a recusa de um trabalho à física, o poeta declama um belo poema de Neruda em que se sente “um peixe preso no vento”. Um fecho dramático, mas iluminado de esperança, na qual podemos, sim, como eles, superar nossos erros, aprender novas formas de pensar a vida e vislumbrar um mundo melhor para todos.

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