Por onde andará Áurea Líbia? – Crônica (memória e ficção) de Ronaldo Rodrigues

Crônica (memória e ficção) de Ronaldo Rodrigues

Em Curuçá, no Pará, onde ouvi esse nome pela primeira (e única) vez, Áurea Líbia não está. Se um dia eu for a Pasárgada, procurarei pelo endereço de Áurea Líbia. Desconfio que em Pasárgada ela estaria bem colocada. Posso mesmo interrogar os carteiros para saber onde ela mora.

Áurea Líbia é um nome que ficou na minha memória de infância e me segue até hoje. Lembro de tê-lo ouvido (ou talvez tenha sonhado com ele) numa brincadeira em que ela estava fantasiada de santa, fantasia que se constituía de um lençol branco a envolvendo. Era uma mocinha e eu um menino bem mais novo, creio que o mais novo de toda a criançada em volta da santa. Em minha lembrança, que não passa de um lampejo, ela está falando alguma coisa, interpretando um papel, vestida e investida de sua personagem. Será que ela se tornou atriz de teatro? Creio que ela estava brincando de teatro nessa única lembrança que tenho.

O nome ficou na minha mente, mesmo depois que minha família se mudou de Curuçá para Belém e eu cresci. Passei a imaginar Áurea Líbia como uma professora de Literatura. Sonhei em ser seu aluno e me gabar de tê-la conhecido quando eu era criança e ela adolescente. Esfregava na cara dos meus colegas o privilégio de ter participado, com a professora, de uma brincadeira de teatro há muuuuuuuito tempo. Claro que ninguém acreditava e a professora não confirmava nem desmentia minha história.

Quando a via nessa lembrança de infância, eu brincava de adivinhar: ela se tornaria uma mulher meio misteriosa, seria uma leitora voraz e saberia contar muitas histórias. Ou não? Não tenho nada que possa comprovar, mas a imaginação compensa onde a realidade possa falhar.

Creio que Áurea Líbia era amiga das minhas irmãs, era filha ou neta de uma amiga da minha mãe, numa cidade pequena (menor ainda naquela época), onde todos se conheciam.

O engraçado é que nunca ouvi o nome que eu achava tão bonito ser pronunciado no decorrer da vida. Mesmo que tenhamos ido morar em Belém, as pessoas que ficaram em Curuçá, e mesmo as que foram também morar em Belém, eram lembradas nas conversas cotidianas. Se foi falado alguma vez, eu não estava presente.

Imagino Áurea Líbia dirigindo uma moto em Curuçá num tempo em que moças pilotando motos em cidadezinhas representavam um escândalo. Penso em Áurea Líbia no trapiche, sozinha, com um olhar infinito para o rio. Na verdade, posso colar esse nome, se ninguém reivindicar, em qualquer perfil interessante que eu achar de mulher.

Não, não sou apaixonado por Áurea Líbia (pela combinação e sonoridade desses dois nomes, sim). Não tenho vivido todos esses anos procurando possibilidades para o destino, ou que nome tenha, colocar eu e Áurea Líbia no mesmo momento e espaço. Não contratei detetives para encontrar pistas do paradeiro de Áurea Líbia. Ela só existe como uma mocinha de nome solar, coberta por um lençol, representando uma santa ou um anjo ou alguma coisa bem diáfana, simples, pura, etérea.

O que aconteceu com Áurea Líbia não me interessa, no sentido de “Putz! E agora? O que vou fazer sem ela?”. E também não é no sentido de “Dane-se, Áurea Líbia!”. Nem pensar. Seu nome, a única coisa que restou dela para mim, não se encaixa em xingamentos. O nome mais parece uma profecia benfazeja. Gosto de senti-lo como um fio de luz que me liga a um passado bonito, lá de Curuçá da minha infância.

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