Quando eu me encontrar – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Na minha vida de admirador de pessoas dignas de admiração, não existe a vontade de ser fotografado ao lado de algum famoso, embora eu admire algumas pessoas famosas. Comigo, é tietagem zero. Portanto, nada de selfie com estranhos. Tudo bem que eu goste do personagem, reconheço seu talento, mas não é meu amigo e só faço selfie com amigos. Tem exceção? Sim, tem. Eu não veria problema algum se a Marta e a Megan Rapinoe, expoentes do futebol brasileiro e estadunidense, me deixassem fazer pose entre as duas. O Zé do Caixão, se vivo fosse e passasse por mim, poderia ser convidado para um registro. Chico Buarque? Arnaldo Antunes? Quem sabe…

Me especializei em esnobar celebridades. Se eu, por algum acaso, me vejo no mesmo ambiente que alguém desse patamar (na maioria das vezes, são subcelebridades ou nem isso), fico na minha e, se ele quiser, vai ser obrigado a vir falar comigo (nãããããooo! Mais chato logo! rsrsrsrs). Influenciadores digitais? Passo longe disso. Também não faço qualquer esforço para ver meus ídolos de perto. Ídolos? Logo eu, que vim ao mundo para destruir ídolos? Sim, sou um iconoclasta, mas livro a cara de algumas pessoas que brilham e que me parecem legais também fora de suas atividades.

Minha memória me trai e acaba de me lembrar de uma atitude típica de um ardoroso tiete. Foi num show do Beto Guedes, quando ainda morava em Belém (eu morava em Belém, não o Beto Guedes). Aconteceu no ginásio da Escola Superior de Educação Física, que nos anos 1980 era point certeiro de shows nacionais. Eis-me na primeira fila, a do gargarejo, como dizem. Minha intenção era absorver no meu peito uma gota de saliva que caísse da boca daquele mineiro tímido. Outra lembrança que me vem foi a minha total loucura cannábico-alcoólica num show do Belchior, na Universidade Federal do Pará, em que eu enfiava minha cabeça nos alto-falantes para ouvir com toda a potência a voz cearense com sotaque mundial que vinha daquele bardo conturbado.

Então fico aqui pensando: e se eu me deparasse com algumas pessoas que povoam os noticiários? Como seria? Não custa imaginar, e aqui cabem vivos e os sempre vivos (os que já se foram, mas permanecem na memória). Eis alguns:

– Quando eu me encontrar com Muhammad Ali direi que ele é um grande exemplo de ser humano.

– Quando eu me encontrar com Zico direi que ele é o meu ídolo no futebol e, quem sabe, em todos os esportes.

– Quando eu me encontrar com Elke Maravilha direi que ela é foda.

– Quando eu me encontrar com Caetano Veloso direi que ele é um artista que muito me inspira.

– Quando eu me encontrar com Tostão direi que ele vale milhões.

– Quando eu me encontrar com Walter Franco direi que nessa cabeça tem tutano.

– Quando eu me encontrar com Pelé direi que ele é um gênio dentro das quatro linhas e um tremendo perna-de-pau fora de campo.

– Quando eu me encontrar com Charles Bukowski direi que, em alguns momentos, ele poderia ter pegado menos pesado.

– Quando eu me encontrar com Carlos Drummond de Andrade talvez não diga nada, mas, se conseguir, direi que ele é o poeta da minha vida e que no meio do meu caminho tinha um poeta e esse poeta fez o caminho ficar bem mais interessante.

– Quando eu me encontrar com Henfil direi que tento seguir certos aspectos de seu estilo.

– Quando eu me encontrar com Mário Quintana sei lá o que direi.

– Quando eu me encontrar com Tom Zé ficarei só ouvindo.

– Quando eu me encontrar com Bob Marley pedirei uma peruana (entendedores entenderão).

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