Quarto Degrau – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Depois que nos mudamos para aquela casa. Bastava cessar a chuva e eu ouvia o barulho de Zig.Zig.Zag.

Ouvia por quatro vezes. Depois parava. Eu saia do meu quarto meio com medo dentro dos meus seis anos. Ia até a cozinha e olhando na direção da escada que levava ao andar de cima. Estava lá uma esfera luminosa zig zig zag deslizando com ruído no quarto degrau. Eu das primeiras vezes fiquei espantado. Depois já me aproximava dela. Era esférica e tinha um orifício no meio. Eu enxergava–a com dificuldade. Mas mesmo assim conseguia ver que havia imagens no centro do orifício. Depois ela sumia e sumia com ela o barulho.

Não contei para ninguém. Nem satisfiz a curiosidade de olhar no centro da esfera e ver o que eram aquelas figuras ali. Que dava para nota-las, dava, mas não dava para distinguir. Mesmo eu dobrando os óculos de vovó, para por as duas lentes em um olho só.

Mesmo assim. Eu tinha medo de aproximar meu rosto da esfera luminosa.

Meses depois meu pai que era Gerente do Banco Moreira Gomes em Macapá.

Foi transferido para Fortaleza.

Passaram-se anos. Eu formado em engenharia volto a cidade á trabalho. Como cresceu. Quase não a reconheço.

Hoje eu resolvo ir à casa de uma colega de equipe para um encontro e já meio atrasado tomo um táxi.

Pode me levar a rua Jovino de Noa, a altura do 515? – É pra já, responde, o motorista.

Começamos a rodar. Estou ansioso. Parece que estou apaixonado, ela interessou-me demais.

De repente o táxi entra por ruas que me levaram a infância. Lembranças felizes.

Momentos inesquecíveis junto com meus pais, agora já falecidos.

Peço que ele diminua a velocidade.

Foto encontrada no blog Porta Retrato

-Olho o colégio que estudei. Olha a praça dos Escoteiros. Quantas pipas empinei aqui.

O motorista sorriu.

Aqui nesta praça ganhei esta cicatriz.  Apontei-a sobre a sobrancelha direita.

De repente surgiu o esqueleto de uma casa já meio demolida. Eu já morei ai. Disse-lhe.

Que vão construir? Perguntei. Um templo, respondeu.

Pare um pouco. Vou descer um momento. Vou entrar um pouco nestas ruínas.

Ele parou na esquina. Debaixo de um foco de luz da iluminação publica. O que restou da casa estava do outro lado da rua em total abandono.

Não se demore disse. Este lugar é bastante perigoso.

Atravessei meio correndo.

A casa estava ali. Fora a ultima moradia comum a meus pais e meus avós, antes de irmos para Fortaleza.

Apesar de estarem derrubadas algumas paredes. Eu ainda conheço você, disse. Conheço bem ainda seus cômodos. Aqui era a sala. Bem ali ficavam os quartos, o banheiro, a cozinha.

Estava muito escuro. A placa da construtora defronte da casa quase totalmente demolida aumentava a escuridão e era uma construção de responsabilidade de nossa Construtora.

Que coincidência. Pensei comigo.

Parece que o táxi buzinava. Chamando-me.

O lugar esta escorregadio. Quase levo um tombo e que choveu fininho há pouco.

Das poucas coisas ainda de pé encontro à escada a minha frente, suspensa no ar.

Agora ela não se encontra com o andar de cima. Vou ao quintal não há mais a porta, vejo o cajueiro outrora pequeno, agora enorme.

De repente ouço um zig zig zag que me assusta um pouco. Retorno à cozinha pulando por sobre monturos de paredes derrubadas.

Esta lá brilhando a esfera luminosa. Parece que me esperava. Olho seu movimento zigzagueando de um degrau para o outro ate parar no quarto degrau.

Agora a vejo melhor. Estou usando uso óculos. E com eles posso vê-la é de uma luminosidade quase vermelha, brilhante, com um orifício no meio.E neste meio alguma coisa como que se mexe.

Pulo por cima dos pedaços de madeiras podres, espalhados pelo chão e me aproximo cada vez mais.

Ela não foge de mim zig zig zagueia e me espera.

Agora meio apoiado na própria escada, olho pelo orifício do centro.

Há uma figura masculina posso perceber pelo traje. Andando, de costas para mim.

Há um carro estacionado, é na direção do carro que ele caminha, posso vê-lo bem. Presto mais atenção sem me preocupar com a proximidade dos meus olhos, com o orifício da esfera luminosa. Chega um novo vulto, é outro homem.

Não consigo distinguir bem as feições. O que chegou por ultimo esta armado, mete a mão no bolso do primeiro, retira alguma coisa. Brigam um pouco.O homem armado atira varias vezes. Não acredito pareço sentir em mim os tiros. Ele corre. O que estava indo para o carro é atingido cai de costas. Não consigo ver seu rosto. Agora quase encosto os olhos no orifício de bola luminosa.

De repente sai outro homem do carro pela porta do motorista e se dirige ao que esta no chão Toma-lhe o pulso e parece gritar. O outro deve estar morto, pensei.

Então vira o corpo caído. Meu coração sobressalta-se. Foi um assalto.Eu vejo por fim o rosto nítido do morto no chão. Sua feição jovem, a meia barba, uma cicatriz sobre a sobrancelha direita, os óculos caídos no chão sob a luz mortiça do poste. Agora posso vê-lo nítido.

A esfera luminosa começa extinguir-se, não antes dos meus gritos

Ele.- Sou eu! Ele.- Sou eu! Ele – Sou eu.

Luiz Jorge Ferreira

* Além de contista, Luiz Jorge Ferreira é poeta, escritor e médico amapaense que reside em São Paulo e também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).

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