Que COISA!

Crônica de Ronaldo Rodrigues tentando, sem sucesso, escrever um pouco como Woody Allen (ou COISA parecida)

Eu tinha acabado de pedir meu café com leite (sem leite) e pão com manteiga (sem manteiga) quando chegou A COISA. Trazia um poodle no colo e foi o poodle que falou:

– Olá, COISA NENHUMA! Eu sou A COISA! Quer dizer, ele é A COISA!

– Eu sei.

Eu sempre tinha esses encontros insólitos. Como aquela vez em que me deparei com um policial de minissaia correndo pela avenida na hora do rush, em profunda frustração por não ter evitado o assassinato de John, não o Lennon, mas o Kennedy. Ele me disse que ainda tinha a última frase de Kennedy martelando em sua cabeça: “Pra mim, ovos mexidos com bacon!”.

Mas voltando ao poodle que falava comigo me explicando que só fazia isso porque seu dono, A COISA, não poderia se rebaixar a tonto. Então ele mesmo tinha que fazer esse trabalho sujo.

– Muito bem! Meu amo lhe detesta. COISA NENHUMA para ele é nenhuma coisa. E assim ele o trata. Ele lhe procurou pra saber de GRANDE COISA, seu irmão-quase-gêmeo que você odeia. Diga, COISA NENHUMA! Onde está GRANDE COISA?

Fiquei atônito, como sempre ocorre quando sou destratado por um poodle. Aquele filho de uma poodle estava me provocando.

– Sei o que está pensando! – Falou o poodle despudorado. – Mas estou apenas transmitindo o que meu amo pensa de você. Se bem que não deixo de concordar com ele sobre o ser desprezível que você é, COISA NENHUMA. Só seu irmão-quase-gêmeo, GRANDE COISA, vale o sacrifício que estou fazendo. Esta última frase é minha.

– O que vocês querem com GRANDE COISA?

– Meu amo acha que você maltrata GRANDE COISA deixando-o trancado naquela gaveta de meias fedorentas naquele porão imundo.

Aquela era uma acusação absurda! Há muito que deixei de trancar GRANDE COISA na gaveta das meias pelo simples motivo de não mais usar meias.

Você está enganado! Veja! – Mostrei meus cotos. – Não uso mais meias porque não tenho mais pés, desde a última vez que encontrei com você, A COISA! Me desfiz da gaveta junto com as meias. Naquele momento eu tinha que tomar uma atitude drástica, sem meias fedidas, digo: sem meias medidas.

O poodle virou bulldog:

Eu odeio esses seus trocadilhos fora de hora! Diga de uma vez, COISA NENHUMA! Onde está GRANDE COISA?

Notei que A COISA abria sua jaqueta e tirava uma arma. Foi quando COISINHA DO PAI entrou na padaria e desferiu tiros a esmo. Me abaixei a tempo de evitar que o sangue do poodle, o único a ser atingido, sujasse minha camisa. A COISA fugiu, como sempre acontecia quando estava perdendo.

COISINHA DO PAI me cumprimentou e foi embora. Na certa ia preparar com A COISA e GRANDE COISA uma nova brincadeira. Só tinham que encontrar outro poodle falante.

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