Quem é o cantor? – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Ilustração de Ronaldo Rony

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Ele gostava de cantar. Era apaixonado pela arte do canto. A arte do canto é que não dava a mínima para ele. A arte do canto o deixava no canto. Não gostava nada daquele aspirante a cantor, cujos únicos talentos eram a persistência e a cara de pau.

Seus amigos o evitavam para não serem obrigados a escutar aquele repertório surrado e pessimamente cantado. Mas ele insistia. Cantava e depois perguntava:

– Vocês acham que essa música foi bem executada?

Como ele não poupava os amigos, estes também não o poupavam:

– Gostamos muitíssimo. Principalmente da parte em que acabou. Achamos que a música foi mesmo executada, sem dó nem piedade. E se não tivesses parado de executá-la, o executado serias tu.
– Tudo bem, pessoal. Não se pode agradar a todo mundo.
– Mas desagradar a todo mundo pode. E tu consegues!

Ele não ligava para as críticas. Na verdade, ligava sim. Achava que as críticas tinham o poder de elevar a sua vontade de se consagrar na música. Pensava que as opiniões, mesmo as menos favoráveis, faziam um cantor amadurecer a sua arte. Novamente, os amigos opinavam:
– A tua arte já está amadurecida, quase para cair. Aliás, já apodreceu!

Fugindo à regra, essa crítica o abalou. Ele resolveu pedir a opinião materna:

– A senhora acha que eu sou um artista chato?
– Claro que não! Tu és só chato, não artista!

Sua mãe se arrependeu de ser tão direta e tentou consolá-lo:

– Fica triste não, filho! Ainda irás fazer muito sucesso. O Oscar Niemeyer começou a carreira assim.
– Oscar Niemeyer? Mas ele era arquiteto!
– Pois é. Ele tentou a música, viu que não tinha nada a ver, foi para a arquitetura e arrebentou!

Mesmo com todo esse incentivo, ele se inscreveu no The Voice Brasil. Assistiu a várias edições anteriores do programa e achou que dava para ganhar no grito:

– Eu só vejo o pessoal gritando lá. Basta gritar que eu levo, pelo menos, o terceiro lugar ou um contrato com alguma gravadora.

Realmente, ele estava certo. A gritaria tomou conta. Ele entrou no ritmo e gritou também. Mas se ele queria levar alguma coisa do programa, levou: muita vaia.

Nas canjas dos bares, ele marcava presença, sempre suportando o sarro dos amigos:

– Leva Chão de Giz?
– Levo!
– Então leva pra bem longe que ninguém aguenta mais!

– Leva Canção da Despedida?
– Levo!
– Mas é a canção da tua despedida!

– Leva Manu Chao?
– Levo!
– Então, mano, tchau!

E as gargalhadas não paravam. Os amigos entoavam trechos de músicas para que ele se tocasse:

– “Apesar de você…”.
– “A noite vai ser boooaa…”.

A gota d’água (não, não me refiro à música Gota d’Água, do Chico Buarque) foi numa noite dessas. Ele subiu ao palco para mais uma canja e disse o que muitos cantores de bar dizem:

– Vocês têm algum pedido a fazer?
Uma voz de bêbado gritou lá do fundo:
– Sim! Coloca um vinil pra rolar!

Desistiu de uma vez por todas. Sacou que já tem muita gente que não canta nada brilhando nas paradas de sucesso e fazendo carreira. Atualmente, ele se dedica a cantar garotas, repetindo o mesmo sucesso que fazia na música.

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