QUEM SOMOS NÓS? – Crônica legal de Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena

Crônica de Lorena Queiroz

Hoje entrei no quarto da minha filha de onze anos e ela, enquanto dobrava umas roupas, assistia na TV um clipe do A-ha. Eu sempre soube que ela é uma menina um pouco estranha (e quem não somos?), mas saber de mais esta preferência dela me fez adicionar mais uma característica a reformulação diária em saber quem elas são, por isso trabalho no que serão. Mas será que realmente eu saberei algum dia, acertadamente, quem ela, você ou eu realmente somos?

Um, Nenhum e Cem Mil – Luigi Pirandello

Quem me conhece sabe, minha cabeça anda meio surtada nestes tempos pandêmicos, o que me faz ir nos lugares mais sombrios e divertidos, por isso cheguei no escritor italiano e ganhador do prêmio Nobel de literatura, Luigi Pirandello, mais exatamente na obra Um, nenhum e cem mil. O personagem Moscarda, enquanto olhava sua imagem no espelho, é informado por sua mulher que seu nariz era torto e ele nunca teria percebido.

A partir daquele momento ele percebe que as pessoas tinham uma imagem dele que era dissociada da imagem que lhe refletia o espelho. Experimente pedir para alguém fazer um avatar seu, pontuando suas qualidades e defeitos nele, e por fim, seja sincero em sua avaliação quanto a assertividade dele. O fato é que nós somos alguém para nossa mãe, alguém para um amigo no trabalho, outra pessoa para determinado amigo e, a despeito de qualquer coisa, um filho da puta pra alguém. Sim, ninguém nunca escapa disso. Mas será que cada uma destas pessoas que você é representado, em cada um, corresponde a quem você realmente é?

Vivemos em uma sociedade que é regida por costumes sociais que mudam, se alteram e se reformulam o tempo inteiro. Acredito que seja por este necessário eterno ciclo de mudanças que fica mais difícil ser livre para ser quem somos, ou melhor, para mostrar quem nos tornamos. Que vai desde um modismo á um conservador que tem dificuldades de viver com as mudanças, bem como aqueles que tem vergonha de dizer que mudaram de ideia. Aquilo que chamamos de julgamento. E é este o ponto, nos tornamos mais um todos os dias. Pirandello, através de Moscarda, diz na mesma obra que, os acontecimentos do passado são as piores e mais injustas das prisões. Pois ficamos eternamente presos á eles. Você pode não ser mais àquela pessoa que cometeu determinado ato no passado, mas para alguém, você sempre será conhecido por algo que não mais te pertence, seja pra bem ou para mal. A personalidade que temos é algo muito mais pessoal e que temos a necessidade de ponderar ou até mesmo polir, pelos costumes que já mencionei anteriormente. Menino não chora, veste azul. Essas coisas. Ou você não fumar na frente da sua mãe. Não minta, sabemos que é bem mais que respeito. Até porque esse respeito também é proveniente do que nos foi ensinado onde vivemos.

Ter a consciência de saber quem somos para nós e para o mundo, será sempre difícil pela própria volatilidade das coisas. Zygmunt Bauman, disse que você tem que passar a vida redefinindo a sua identidade, porque o estilo de vida que é considerado bom por um, não é nada para o outro. E que as coisas atraentes mudam tantas vezes nas nossas vidas. Quem será você na semana que vem?

Mas mesmo assim, nos temos uma identidade que apresenta pistas algumas vezes, nós temos a tendência de nos aproximarmos de pessoas que, a princípio, se assemelham á nós. Pessoas que se juntam por que reconhecem umas nas outras um pouco do que são, ou do que querem ser. Sabe aquela máxima: “um tatu cheira o outro”. Pois é, a gente tem necessidade de ajuntamento com quem nos identificamos, mas mesmo assim, quantas pessoas diferentes tem aí na tua roda de amigos? E quantos tem a mesma imagem um do outro? E isso nunca deveria ser problema para ninguém porque sabemos que somos diferentes. E a gente sempre vai ter um guardado para uma novidade que vai surgir.

No filme Eu, eu mesmo e Irene, Hank Evans, a segunda personalidade e total oposto de Charlie, toma seu corpo e reage violentamente aos abusos que as pessoas cometiam costumeiramente contra Charlie. Na minha opinião nada técnica e só para fins de achismo mesmo e interpretação lúdica, todos nós carregamos um Hank dentro de nós, não falo de um louco, mas de outros que vão surgindo conforme o rumo que as coisas tomam para cada um.

Ainda dentro deste contexto lembrei de um episódio de uma animação, Hora de aventura. O personagem Rei gelado, quando ainda era Simon, estava em um apocalipse zumbi. Portava uma coroa que o transformava em Rei gelado e lhe dava poderes. Ele protegia Marceline ainda criança. Mas a cada vez que ele colocava a coroa, a personalidade de Rei gelado tomava um pouco mais o corpo de Simon, até Simon sumir. Ele fez isso pelo amor a Marceline, o que foi lindo, mas ele se perdeu dele mesmo. Acabou por se tornar um vilão. E o triste é que ele não se lembra quem ele foi.

É didático revisitar quem fomos, nos ajuda a rever ações, opiniões e até saldar algumas dividas consigo mesmo. Assim como é importante ter a consciência que cada um é muito mais do que se vê. Mas o mais importante, para mim, é ser fiel a quem vamos nos tornando a cada dia e sempre estar de braços abertos para o próximo que virá depois de uma música que se descobre, ou de um livro que nos apresentou mais uma parte de nós. Somos metamorfoses ambulantes, agora toca Raul.

* Lorena Queiroz é advogada, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site.

  • Uau, artigo providencial. Dias atrás estava tentando estender alguns conceitos relacionados à personalidade, caráter e temperamento, self e sombra – porém, sob uma abordagem psicológica.
    O artigo acima corrobora alguns entendimentos que consegui captar anteriormente. Boas análises essas.

  • Excelente!
    Lorena comenta tecnicamente muito bem…analisa um ou mais personagens e os disseca e os conteporiza incluindo-se em seus universos pessoais…
    Sempre apos a leitura…levanto e aplaudo de pé…o que fiz hoje…também.

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