Roteiro de Leitura de “Os Sertões” (Euclides da Cunha) – 2º Capítulo: O HOMEM– Por @yurgelcaldas

Por Yurgel Caldas

Parte dividida em cinco seções onde o autor do “problema etnológico no Brasil”, considera a gênese do jagunço e do sertanejo, passando especificamente por Antonio Conselheiro até finalizar com a análise de Canudos.

De formação militar positivista, Euclides faz um discurso desfavorável à mestiçagem no Brasil, ao contrário do que faria, em certa medida, Gilberto Freyre. Para o narrador de Os Sertões, “o ramo africano para aqui transplantado” é “filho das paragens adustas e bárbaras” – produto da “ferocidade e da força”. Já o português, herdeiro da “estrutura intelectual do celta”, confere o tom “aristocrático de nossa gens”. Em geral, “o brasileiro […] só pode surgir de um entrelaçamento consideravelmente complexo” – e isso é um problema para o autor-narrador de Os Sertões, pois “não temos unidade de raça […] e não a teremos, talvez, nunca”. Daí ele conclui que “não há um tipo antropológico brasileiro”. O autor nega o extermínio indígena no Norte do Brasil, considerando a extinção do indígena como o resultado “de cruzamentos sucessivos”. O caso do sertanejo é especial para o narrador: trata-se de uma sub-raça que tem em sua composição genealógica pouca ou nenhuma miscigenação – assim, o sertanejo seria forte em função de sua “pureza”, ao contrário de outras sub-raças no Brasil. Assim, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral”. Sobre isso, “a uniformidade […] é impressionadora. O sertanejo do Norte é, inegavelmente, o tipo de uma subcategoria étnica já constituída”. Para Euclides, “a mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. […] A mestiçagem extremada é um retrocesso […]. O mestiço […] é, quase sempre, um desequilibrado”: um ser nervoso, histérico e incurável; um doente, fraco e decaído. Afinal, “o mestiço é um intruso”.

Euclides da Cunha. Caricatura de Raul Pederneiras (1903)

Através da análise dos efeitos do clima e da composição da natureza (vegetação, p. ex.), Euclides se baseia para concluir que o Norte é inferior em relação ao Sul. Neste, “a terra atrai o homem”; naquele, o repele. Isso se espraia para a concepção de uma cultura superior (Sul) em relação a outra (Norte).

Velha Canudos, estátua de Antônio Conselheiro, ao fundo capela de São Pedro – Foto encontrada no site https://pa4.com.br/home/

Falando sobre Antonio Conselheiro *(de nome Antonio Vicente Mendes Maciel), o narrador aponta, como se fora um herói épico ou romântico (um ser de exceção): “Isolado, ele se perde na turba dos nevróticos vulgares”. Mas também é algum que, assim como entrou para a história, poderia ter entrado para o hospício. Tanto é verdade que Conselheiro é um “doente grave, só lhe pode ser aplicado o conceito de paranoia”. Assim, Conselheiro – de “fisionomia estranha: face morta, rígida como uma máscara, sem olhar e sem risos; pálpebras descidas dentro de órbitas profundas” – “foi um documento raro [e vivo] de atavismo”: infeliz, falso apóstolo, “um gnóstico bronco”, “grande homem pelo avesso”, “um caso notável de degerescência intelectual”, um “anacoreta sombrio [e] monstruoso”; enfim, um ser que se “cristalizou num ambiente propício de erros e superstições comuns”.

Canudos era a “urbs monstruosa, de barro, definia bem a civitas sinistra do erro”. Afinal, “Canudos era o cosmos”, “a Jerusalém de taipa”. E os seguidores de Antonio Conselheiro eram “voluntários da miséria e da dor, eram venturosos na medida das provações sofridas”. Por isso, o narrador recita: “Bem-aventurados os que sofrem…”

*Contribuição do amigo Yurgel Caldas, que é professor de Literatura da Unifap e do Programa de Pós-graduação em Letras (PPGLET) da mesma instituição.

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