ROUCO RECADO – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

O Corcel da noite uivava…preso nos dentes fiapos de mangas e crinas das madrugadas.

Nossa casa tem tábuas podres… Mãe!
Nosso quintal tem casca de ovo… Mãe!

Eu sei acender o fogo com um só palito de fósforo. Mesmo que sopre o vento de muitos assobios.

Mãe você não se incomoda.

Porquê tem muitas tábuas podres nossa casa…e as estrelas vem mordê-las, e perdem-se no sulco do disco de Luiz Gonzaga.

Anita que espreita, tem seios, e meios de fazer carícias que nem sei.

Mãe , você espante está tristeza vagabunda…mesmo que uive a noite, temos contra a escuridão, um pavio aceso, e uma luz nos seus olhos.
Na estante… temos ‘ O Tempo e o Vento, e ‘Mar Vermelho’.

Nossa casa tem tábuas podres… Mãe!
E você conhece toda a Coleção de Jorge Amado.
E você conhece Trigonometria…a ensina a trinta anos… conhece Freud e Kafka…
Eu ouço o ruído das tábuas apodrecendo, dos cupins roendo, a cumieira.
Eu ouço a dor das queixas dos favelados, nos pátios das baixadas.


E lá…nem lua, nem Hollywood, nem Sinatra, pousam.

O corcel da noite, feito um bêbado insolente, descobre as tábuas podres, a noite adormece os miseráveis, adormece D.Ester, que vigia a chuva para não chover.

E nossas tábuas podres, podem se vingar
Você não, mãe.


Você demarca as costas do Amapá, e o Mapa fica entrincheirado em um prego na parede, defronte a um armário antigo de vidros quebrados, que esconde o ruído dos cupins, penas de anjos, e tábuas podres.

E você não se incomoda… Mãe!

Ah! Como zombam de nós, as tábuas podres!

*Do livro Cão Vadio, publicado pela Imprensa Oficial do Governo Federal do Amapá, em 1986.

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