Sonhos de Assis e Jonielson…Leitores! – Por Angela de Carvalho

Era bem tarde, um breve piscar da lâmpada, indicou que já se aproximava a meia noite. O tom amarelado da luz, lembrava as chamas da lamparina de outros tempos. Insistente, Jonielson lutava para manter os olhos abertos, queria ler mais um capítulo de “Antes que o Mundo Acabe”1. Divagou em pensamentos… “antes que a energia acabe”. Era assim, na distante localidade em que residia, a luz elétrica tinha horários de fornecimento.

Instantes depois o barulho do livro que caía de suas mãos e o clarão de um relâmpago seguido de um trovão, juntou-se a uma cadência de tambores. Luzes e sons confundiram-se em sua cabeça… “essa roda de marabaixo, não tem hora pra acabar”. E foi em meio a sombras que sentiu a presença do personagem de um sonho de outros tempos, o “Saci Aladim de Ali Babá”!

Este, sempre muito falante e curioso, já chegou cheio de perguntas:

_Viva! Viva! Temos aqui um leitor? Varando a noite em deliciosas leituras? Está “Em Busca do Tempo Perdido”2? Estou voltando da roda de marabaixo, tens um canto para eu passar esta noite aqui? Sem entender aquela visita inesperada, Jonielson perguntou, em tom de exclamação:

_Saci Aladim! É você!?

Reconheceu o largo sorriso do amigo, mostrou a rede que estava atada no quarto e convidou-o a deitar-se ali.

O Saci acomodou-se como quem se sente em casa, apoiando a cabeça com as mãos, pronto para ouvir as respostas.

Depois de respirar fundo, Jonielson com a voz baixa para não acordar a mãe que dormia no cômodo ao lado, falou:

_ Sim, estou recuperando as leituras que não fiz quando criança, sou “ um devorador de livros”, como diz a professora. Acabei de ler: As Aventuras do Professor Pierre na Terra Tucuju”***. Nem te conto, meu exemplar foi autografado pela escritora: “Para Jonielson, um ribeirinho pescador de livros e sonhos, com carinho Maria Ester Pena Carvalho” . Agora estou lendo,“ Antes que o Mundo Acabe”. Tô só pavulagem, não?

¬ _TáPorDemais! Escute, se eu “não me perdi no tempo” estamos em outubro, isso?

Sim em outubro – amanhã é dia 29, o Dia Nacional do Livro. As coisas mudaram por aqui, sabia? Logo mais teremos uma programação muito importante, um grande encontro com as BP Municipais e Comunitárias do Estado, aqui no Município do Mazagão: O I Salão do Livro Infanto Juvenil do Amapá.

Seguiram conversando noite afora sobre as coisas acontecidas desde a inaugaração da biblioteca, sonhada em “Pescadores de Sonhos”. Dos livros e escritores que conhecera nestes anos, dos muitos poemas, contos e crônicas lidas e dos filmes assistidos em alguns finais de semana. Tinha agora consciência da importância dos livros e das possibilidades que traziam para a sua vida. Outro dia mesmo, fizera uma inscrição para um intercâmbio em um site no computador da biblioteca.

Falava de novos caminhos, luzes e portas que se abriam para ele, quando notou que uma luz entrava pela janela. Era o dia que começava a clarear. Disse então:

_Mano! Já está amanhecendo? Que conversa boa, nem notei a noite passar.

_Vamos comigo Saci? Temos meia hora de remada até a cidade, precisamos sair logo. Assis vai me esperar logo ali, na ponte do Carvão, fiquei de passar às 6h30.

Tomaram um breve café e após os rituais de despedidas de mãe, embarcaram algumas frutas em sua canoa e seguiram remando.

Logo avistaram Assis, que vigiava a curva do rio. Tinha um exemplar de “Todo Cuidade é Pouco” em suas mãos. Foi só o tempo de Jonielson encostar a canoa e Assis acomodou o livro na mochila. Em seguida, embarcou animado falando das belas ilustrações de Roger Mello. O Saci aproveitou para fazer uma provocação:

_ Rapaz! Você ainda lê apenas ilustrações?

Assis estava feliz com a presença do amigo e respondeu com outra brincadeira. Mostrando os litros de açaí que estava levando para o lanche, disse:

_ Eita! Quantas cuias de açaí vais tomar hoje Saci Aladim? Tô achando que este aqui vai ser pouco.

Com uma boa risada o Saci respondeu:

_ Já sabes que pra matar a saudade eu tomo sempre três cuias! E quero açaí do grosso…Há há há.

A maré estava enchendo na direção que seguiam, assim, venceram mais rápido a distância. Logo avistaram o alvoroço das outras montarias e o desembarque de meninos, meninas e jovens para participarem do grande evento.

Chegando ao local, foram cumprimentar os Pequenos Embaixadores da leitura que já ocupavam seus lugares. Logo teve início a solenidade de abertura da extensa programação prevista. Após a declamação do poema de Casimiro de Abreu “Meus Oito Anos”, feita por uma encantadora menina, houve a fala de/das autoridades presentes.

Uma grande roda se formou para apresentação dos embaixadores. Eram crianças leitoras na faixa de 8 a 12 anos, escolhidos para contar histórias do seu lugar.

Para levar as nuvens os atentos ouvintes a primeira história contada , foi a da Base Aérea do Amapá, onde, em um Museu a Céu Aberto ainda resta parte da estrutura de pouso de Zepelim, construída por volta de 1940, Um embarque perfeito para iniciar o dia.

Dali, seguiram viagem e pousaram em outro tempo e espaço: no “Sítio Megalítico Rego Grande”, nas histórias contadas pelos embaixadores de Calçoene.

Estas viagens através das histórias, deixaram maravilhadas as crianças que não sabiam da existência dos Sítios Funerários e Grutas na Região do Rio Maracá – Município de Mazagão.

Para costurar e emendar, contos de lá e de cá, com a palavra MARACÁ, passaram novamente a palavra, para as crianças do Município de Amapá, que contaram uma aventura vivida na praia Boca do Inferno. Foi um relato fantástico! De arrepiar os cabelos, do prefeito careca.

Os ânimos acalmaram-se com um inebriante cheiro de mata, que pareceu tomar conta do salão, quando foram transportados e sentiram a exuberância da flora e fauna de uma Ilha: a Estação Ecológica do Maracá. Um verdadeiro bálsamo para os ouvintes. Na imaginação dos ilustradores as tintas ganharam belas paisagens.

Uma grande escalada em trilhas pelas Montanhas do Tumucumaque foi o tema da história contada por meninos e meninas do Oiapoque. Em silêncio todos vibravam com cada suspense de mais uma aventura naquela manhã.

Encharcados da beleza do Rio Oiapoque buscaram outras águas, no rumo das corredeiras do Rio Jari passando antes pelas aldeias Wajãpi, em Pedra Branca do Amapari.

Mitos e lendas misturavam-se as histórias de descobertas de ouro, manganês e outros tesouros. Histórias acontecidas ou não, tudo era inspiração para os contos de pescadores, parteiras e também das benzedeiras residentes em várias localidades dos 16 municípios do Estado do Amapá.

Deslumbrante também, foi a entrada dos meninos, que com correntes presas/amarradas aos pés, encenaram como foi doloroso para negros e índios os 18 anos de construção da Fortaleza de São José de Macapá. E para encerrar com a alegria o relato, contaram cantando, como nasceu a dança do marabaixo. Cantando os ladrões em roda dançaram para encerrar a manhã.

Exaustos de tantos vôos, escaladas, caminhadas, embalos musicais e de canoas, vividos nas histórias, foram todos convidados para o almoço coletivo. A longa mesa, ofertava as delícias dos rios e da floresta: caldeirada de filhote, tucunaré regado ao tucupi; açaí com camarão e/ou farinha de tapioca, saborosos sucos de graviola, cupuaçu e taperebá. E ainda biscoitos de castanha do Pará, geléias e muitas outras iguarias da amazônia.

Em Contos ao redor da fogueira, no cair da noite as atividades do primeiro dia foram encerradas.

O segundo dia, foi de visita aos expositores das editoras. Cada uma trouxe ao Salão, suas melhores publicações. A coleção “Nossa capital” fez grande sucesso, principalmente o “ Macapá – a Capital do Meio do Mundo” com as belas aquarelas: do Rio Amazonas, Igreja Matriz de São José, Monumento Marco Zero do Equador, do Quilombo do Curiaú e alguns pontos turísticos da capital do estado, como o trapiche Eliezer Levy.

Um espaço para fazer fotos e postar selfies nas redes sociais estava preparado com as capas dos livros de todas as capitais do Brasil. Desde “Belém, Terra das Mangueiras” , até “Porto Alegre a Capital dos Gaúchos”.

Os estudantes, de posse de seus “vale livro”, escolhiam e retiravam seu exemplar de: Um Livro pra Chamar de Seu. A noite foi de luar, com embalos de redes e sonhos, abraçados aos livros recebidos.

Com o esperado momento de assinatura do documento: 10 anos de Promoção da leitura, foi iniciado o terceiro dia de programação.

Após a assinatura do Governador e dos 16 Prefeitos, foi feito o registro fotográfico oficial. Bem à frente, com largos sorrisos, os Embaixadores Leitores!

Um sorteio, definiu o anfitrião do II Salão: o Município de Calçoene. Em seguida novos embaixadores foram empossados para que realizassem outras pesquisas e coletas de novas/velhas histórias para contar no ano seguinte.

O Saci Aladim de Ali Babá, Jonielson e Assis caminharam até a beira do rio, para apreciar o remanso. Sentaram-se à sombra de uma enorme árvore, donde viam ao longe a movimentação. O Saci mostrou aos meninos uma pequena arca em forma de barco, estavam ali alguns livros dos escritores Fernando Canto e Joca Monteiro, embalados para uma longa viagem. A correnteza a levaria ao encontro de crianças de algum lugar distante. Então o Saci falou:

_Estas crianças com idade de 8 anos representam aqueles que daqui a mais 8 anos, aos 16 anos, serão: Leitores e Eleitores! E todo este evento, é uma pequena mostra do que é a implementação da Política Pública de Promoção da Leitura. Algo improvável? Talvez sim. Mas, lembrem-se, tudo é possível, quando sonhado! E a leitura nos permite imaginar um outro mundo.

Na festa de encerramento do Salão, crianças com figurinos dos personagens, encenaram uma batalha entre Mouros e Cristãos, lembrando aqueles que atravessaram o Atlântico e vieram fundar a Cidade de Nova Mazagão, em 1770.

Uma estrondosa salva de palmas junto a algazarra das crianças, ao final da apresentação, acordou Jonielson. O som misturou-se ao rufar de tambores do Marabaixo de rua, que anunciavam o amanhecer do dia. Sentindo um cheiro de café vindo da cozinha, percebeu atordoado que havia embarcado em mais uma aventura de Sonhos. Não havia nenhum Saci em seu quarto.

Ainda meio sonolento e pensando nos acontecimentos e datas importantes do mês de outubro, lembrou que a poucos dias acontecera as eleições municipais. Repassou na memória todo o sonho do qual acordara e entendeu o novo e precioso recado que o Saci trouxera: A importância de escolher e eleger candidatos comprometidos com as Leis e Planos para a Leitura a Literatura e as Bibliotecas e claro, que valoriza as histórias do seu lugar.

A caminho da escola, encontrou com o amigo que entrou silencioso na canoa, esquecendo o habitual: “Bom dia”! Assis, parecia estar distante dali.

_ Bom dia Assis, tudo bem? O que estais matutando nesta cabeça, tá quieto.

_ Bom dia! Sim irmão. Tô pensando aqui neste livro que encontrei caído na ponte, é o mesmo do meu sonho, da noite passada. Sonhei outra vez com o Saci Aladim, ele disse: “Tudo é possível quando sonhado”!

_ Verdade! Então, vamos seguir sonhando juntos? Quem sabe realizamos o 29 de outubro dos nossos sonhos.

Entre olhares e sorrisos entenderam-se, confirmando o que havia acontecido na noite anterior.

Angela de Carvalho
Macapá 17 de fevereiro de 2020

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