Ta no Estadão: Amapá começa a despertar para o turismo. Potencial – e beleza – não faltam


MACAPÁ – Primeiro, chegaram os espanhóis, logo, os portugueses. Franceses, ingleses e holandeses ficaram de olho na terra, rica em produtos naturais com os quais os indígenas lidavam com tanta destreza. Para afastar a concorrência, em meados de 1760 os lusos ordenaram a construção da Fortaleza de São José, e foi aí que uma multidão de negros africanos – mão de obra que ergueria tal monumento – lá desembarcou. Mas incursões estrangeiras ocorreram assim mesmo, e a disputa seguiu anos afora. Tanto que parece que foi ontem, em 1988, que o território foi oficialmente declarado Estado do Amapá. Pisar naquela região hoje é sentir de imediato a herança dessa colonização: aquilo tudo parece terra de ninguém. Ao mesmo tempo, terra de todos.

Bem se vê na disposição e ocupação territorial. O Estado tem apenas 16 municípios – o Oiapoque, ponto extremo ao norte do Brasil fica ali -, uma população total de 685 mil pessoas, com 407 mil concentradas em Macapá. Lá, enquanto se esbarra com gente vinda de todas as regiões do País, encontrar um macapaense de fato exige esforço. 

Se afastando da capital, imensas áreas indígenas se escondem em meio à floresta amazônica. Parece mentira que estradinhas de terra vão alcançá-las em algum momento – vale lembrar que o Amapá é um dos Estados com vegetação mais preservada: 90% de mata nativa. Antigos quilombos também marcam presença, se mantendo como comunidades negras onde a terra é direito de descendentes. Com o crescimento de Macapá, alguns vilarejos quilombolas colaram na cidade – caso do Curiaú, um dos mais significantes. 

Tal miscelânea está refletida na singular cultura local, um verdadeiro caldeirão de influências. O padroeiro de Macapá, por exemplo, é São José, santo católico. Em 19 de março, feriado dedicado a ele (e data em que a fortaleza que leva seu nome completou 230 anos), as comemorações iam das procissões e missas às apresentações de marabaixo, onde homens tocam tambores enquanto meninas com saias rodadas e lindas flores nos cabelos dançam arrastando os pés – uma alusão aos antigos escravos acorrentados. Impressionante ver como a herança negra reúne cores e classes sociais. 

Visitantes que, aos poucos, aparecem por lá – o Estado começa a desenvolver seu potencial e infraestrutura turística – percebem a mesma mistura no folclore, música, artesanatos e gastronomia. Um de seus símbolos culinários é o tacacá, presente em toda região amazônica, e de origem indígena (leia na página 8). 

Stonehenge brasileiro. Conhecer mais das etnias que lá deixaram seu traço é um projeto em andamento. Um sítio arqueológico localizado em Calçoene, a 370 quilômetros da capital, está em estudo desde 2005, com indícios indígenas de mais de mil anos. As pedras monolíticas estrategicamente posicionadas em formato circular – o que rendeu ao local o apelido de Stonehenge brasileiro – impressionam, e se relacionam diretamente com o equinócio e solstício, fenômenos naturais celebrados pelos índios. 

Arqueólogos também encontraram enterrados a até 2 metros de profundidade objetos de cerâmica, como vasos, bacias e pratos, que confirmam a hipótese das festividades ali realizadas. E ainda há muito a ser descoberto: só 13% da área foi explorada.

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