Talvez seja só rabugice minha – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

– Zumbis invadem o mercado publicitário!

Acordei com essa manchete dada pelo apresentador do telejornal do sonho que estava rolando na minha cabeça. Aquela frase soou tão real que ficou me perseguindo enquanto eu me banhava, tomava café e esperava o ônibus para ir a uma agência de publicidade.

O sonho tinha a ver com a minha situação de publicitário que, após um ano e quatro meses fora do mercado de trabalho, enfrentaria uma entrevista de emprego naquele dia.

O sonho – na verdade, um pesadelo – tinha me mostrado uma agência de publicidade cujos trabalhadores, de ar entediado, estavam colocados em seus aquários virtuais, conectados aos guetos de suas redes sociais através de aparelhos ultramodernos, ostentando o poder de falar com o mundo todo, apesar da falta de assunto ou do excesso de assunto sem relevância. Uma equipe insípida, inodora e incolor de robôs formados em marketing ou coisa parecida e pós-graduados em arrogância.

Talvez seja só rabugice minha, que venho de um passado cada vez mais distante, quando as agências de publicidade eram redutos de pessoas realmente talentosas e autênticas. Quase nenhuma formada, mas todas muito bem informadas sobre as maravilhas e as tragédias da vida, o que rendia um belo trabalho.

Os formados (pelo menos, a maioria) precisam provar que são da publicidade através de seus diplomas e não de suas competências, não de seu brilho criativo. Para estes, eu tenho o prazer de dizer que a fama da propaganda brasileira, reconhecida no mundo inteiro, foi feita por não formados, como Washington Olivetto, Nizan Guanaes e outros que não davam muita bola para esse negócio de diploma. Hoje, em plena vigência da Ditadura do Canudo, a grande façanha dos trabalhadores de criação é procurar referências na internet, o que leva à triste conclusão de que ninguém cria mais nada e a mediocridade, se ainda não tomou conta, vai fazer isso em pouquíssimo tempo.

Talvez seja só rabugice minha essa implicância com a publicidade de hoje. Rabugice de um dinossauro que começou a carreira construindo seus textos em máquina de escrever. Que viu os anúncios sendo feitos na prancheta, diretamente sobre o papel. Que sentiu o cheiro de cola de sapateiro nas salas de arte. Que teve, entre seus companheiros de trabalho, feras do texto e do layout como Oswaldo Mendes, Chico Cavalcante, Sérgio Bastos, Cacá Farias, Federico Spitale…

Voltando ao presente: fui bem na entrevista e consegui o emprego, o que me causou alegria, por voltar à ativa, e surpresa, já que estava quase convencido de que redator publicitário fosse uma profissão extinta por estas bandas. Já achava que ideias, e pessoas que as tenham, fossem coisas dispensáveis em agências de publicidade deste novo milênio.

A agência que me contratou me parece disposta a manter a possibilidade de vida inteligente no mercado publicitário e ir além do que se produz nos dias atuais. De minha parte, enquanto meus neurônios suportarem, vou continuar lutando bravamente para que as agências de publicidade jamais sejam invadidas por zumbis.

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