Tia Fé, Tantan de Ouro faz seu último desfile no Laguinho ( @MarileiaMaciel )


Foi preciso contar os 60 anos de história  para Boêmios voltar a ser campeão, após 16 sem título, e para que Tia Fé cerrasse os olhos e descansasse tranquila. Maria Felícia Cardoso Ramos foi a primeira costureira da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho, esposa do José Libório Ramos, o Matapi, um dos 13 que fundaram a primeira escola de samba do Amapá, na esquina da Mãe Luzia com a Eliezer Levy, enredo contado este ano na avenida. Costureira e  bordadeira, Tantan  de Ouro   do carnaval amapaense, título dado para os que mais se destacavam para fazer uma bela festa, Tia Fé veio ao mundo quando Macapá começava a abrir os olhos, e os negros iniciavam as vidas na Favela e no Laguinho, debaixo de todo o misticismo enraizado no sangue e na alma, como todos os descendentes dos escravizados africanos que aportaram em Mazagão.
Primeiro morou na Favela, onde foi seu pai, José Monteiro e a mãe, Isabel Cardoso, escolheram morar. Depois o destino os levou para o Laguinho, onde o primo de seu José, Julião Ramos, formava o reduto negro, que originou um dos mais tradicionais bairros da cidade. Entre os ladrões de marabaixo criados por sua mãe, Tia Fé criou os 12 filhos, e fez a fama em cima de seu primoroso trabalho. Bordou e costurou na mão, pedra por pedra, lantejoula e brilho, as mais lindas roupas de destaques, rainhas da bateria e principalmente mestres-salas e porta-bandeiras da Nação Negra, que reforçaram sua fama com as inevitáveis notas 10. Quem frequentava a casa na General Osório, onde morou até partir, lembra das roupas reluzentes e luxuosas feitas por Tia Fé, penduradas em cabides, e de seu ritual pré-carnaval, de bordar a roupa no corpo dos principais artistas do Laguinho.
Contam os amigos que o mestre-sala Amaral, danado por natureza, era “guardado” por Tia Fé, na véspera do desfile para evitar qualquer situação que colocasse em risco a apresentação. Só era liberado para chegar na avenida Fab e dar o show que garantia a nota máxima no quesito. Tanto trabalho para bordar cada detalhe não a impedia de sair em sua escola do coração, e mesmo cansada, arrumava forças para rodar a saia na ala das baianas. Passado o carnaval, lá vinha Tia Fé com as flores na cabeça, emoldurar o cenário colorido das rodas de marabaixo, dançando até o fim, cantando os versos que dona Isabel embalava os moleques da casa. Pelas contas dos mais antigos, embaraçadas na memória, a última porta-bandeira que teve a roupa bordada pela Tesoura de Ouro foi a Nega, que rodopiava com Amaral levando a bandeira vermelha e branca na cintura.
Hoje o Berço do Samba se despede de sua musa, matriarca que abriu as portas de sua casa para que os desfiles fossem pensados e os sambas criados. Mãe, marabaixeira, avó que criou os netos como filhos, Tia Fé merece as homenagens e o tapete de emoções que será estendido em sua última passagem pelo bairro moreno, para quem ela tanto deu orgulho e despejou carinho. Tanto amor pelas tradições a fez nome de bloco, e , há exatos 10 anos atrás, enredo da Bodas de Ouro da Universidade.

“Ê Fefé, Fefé de ouro
És o tesouro do bairro Julião
Para mim és a princesa
És a rainha e a canção
Caiu do céu, caiu….caiu do céu
Uma estrela e brihou”
(Ilan do Laguinho)

Mariléia Maciel – Jornalista apaixonada pelo bairro do Laguinho. 

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