Tio Arim se despede e deixa o cenário do Laguinho sem seu preto velho

Quando o bairro do Laguinho começou a ser povoado por negros vindos do centro de Macapá, seu Marinho Ramos dos Santos, também fez seu caminho para ali, vindo do lado oposto, Curiaú, onde nasceu em 18 de junho de 1923, do parto de Benedita Carlota dos Santos, esposa do também descendente de escravos, Benedito Ramos. Foi nos anos 40 que este preto velho começou a fazer parte da paisagem do Laguinho, bairro onde formou família, criou filhos, netos e bisnetos com dona Ondina, sua companheira por seis décadas, com quem teve sete filhos e manteve o carinho e dedicação aos outros três filhos de outras relações.

Tio Arim acompanhou a evolução do bairro, das antigas casas e comércios, suas famílias tradicionais, a instalação da Rádio Equatorial, do bar Afuá, Tabelão e Pau-da-Marreca, Seu Bil, Tio Duca, a construção das escolas Azevedo Costa e Augusto dos Anjos. Com o seu Chivico, que tocava rabeca, abriu as primeiras amassadeiras de açaí do Laguinho, daquele tempo que marcávamos a vez com uma pedra e ninguém mexia. Dançava nas malocas do Centro Folclórico, viu nascer o Boêmios do Laguinho, sua escola de coração, e foi nas primeiras festas do Banco da Amizade, quando se amarravam garrafões de vinho na mangueira.

Irmão de Tia Chiquinha e do também finado Sambará, pai de Raimundinha Ramos, Arim vivia entre o Curiaú e o Laguinho, e antes do primeiro carro da família, ele costumava ir de ônibus para o quilombo, onde passava horas na companhia da irmã e sobrinhos, ou na devoção à São Joaquim, a que pedia e agradecia. A vivência no ninho familiar o fez transformar a casa do Laguinho em um quilombo, e ali mora quase toda a parentada, dos filhos aos bisnetos e agregados, em uma confusão gostosa de gente, plantas, roupas secando ou na bacia, e as comidas feitas na cozinha da filha Mazé, que emprega quase toda a família na produção de alimentos.

Quem mora no Laguinho sabe bem da rotina do seu Arim. De passos apertados e ligeiros, ele caminhava sempre com o guarda-chuva ou bengala nas mãos, a caminho da amassadeira de açaí, da igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro às terças-feiras, domingo cedo para a Igreja São Benedito, para o supermercado da esquina, onde ia quase diariamente, e para o partido onde ia por amor, diariamente. Todos os dias sentava na calçada e via o tempo passar. Dali cumprimentava com sua voz rápida e arrastada de preto velho, ria, contava histórias, dava conselhos e brincava com os netos e bisnetos. Se alguma TV queria uma entrevista, ele sem rodeios concedia, seja pra falar como um dos mais antigos moradores do bairro, ou para falar de fé ou do início da cidade.

Idealista, adorava política, era um sonhador nato, queria um mundo igual, e seu desejo de conhecer Brasília antes de morrer foi realizado, e Arim chegou no Senado e Câmara Federal engravatado, onde foi homenageado e aplaudido. A memória invejável o fazia um baú vivo de memórias, e falava do governo Janary Nunes aos atuais, lembrava da luta para construção do Centro de Cultura Negra, em que esteve presente com outros negros e negras, como Raimundinha Ramos, Ondina, Seu Bolão, Tia Chiquinha, armados de paus e facas, em defesa de um espaço onde os negros dançassem suas danças e cantasse seus “ladrões” de marabaixo e “bandaias” de batuque.

Vascaíno e torcedor do São José, ele adorava assistir uma partida, papa-açaí, se trajava com elegância, do sapato ao sorriso, católico, quase centenário, de mãos grossas mas que pareciam pluma ao cumprimentar, personagem de dezenas de histórias engraçadas repetidas nas rodas e bares, criou três gerações de familiares. É deste grande homem de quem nos despedimos dia 25 de outubro, uma pessoa íntegra, respeitosa e adorável, que vai fazer muita falta na rotina do Laguinho, e mudar o cenário da General Rondon para sempre, mas que está imortalizado na terra das bacabeiras.

Mariléia Maciel
Jornalista

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