Tiradentes: a criação do herói nacional

Por: Márcio Ezequiel – mestre em História/UFRGS e analista-tributário da Receita Federal

21 de abril, Tiradentes, feriado nacional. A Inconfidência Mineira (1788-1792) foi um conflito motivado pela tributação excessiva. A Coroa Portuguesa recolhia o quinto do ouro, ou seja, 20% de todo metal precioso apanhado no Brasil. Contra tal prática levantaram-se os mineiros (de profissão e gentílicos). Joaquim José da Silva Xavier, contudo, foi o mártir do episódio. Por quê? Foi escolhido para isso. Para servir de exemplo.

Dentre vários condenados, foi o único que não foi perdoado. Não era líder e nem mentor intelectual da insurreição. Apenas um oficial de baixo escalão – alferes – que por não gozar do prestígio dos demais insurgentes, não conseguiu se safar da pena máxima. Como dentista também não era uma sumidade. A alcunha pejorativa ainda nos causa arrepios. Apesar de sua memória começar a ser trabalhada ainda em meados do século XIX, foi alçado à condição de herói pelos pensadores da República Velha. Não por coincidência o feriado foi decretado em 1890. O primeiro “21 de abril” foi republicano.

A partir de então ganhou força o culto cívico a Tiradentes, passando a ser retratado com feições de Cristo, com direito a cabelo comprido, auréola e crucifixo à mão. Nenhuma das imagens que conhecemos foi imortalizada por artista que o tivesse encontrado em vida. Representaria um povo sofrido e injustiçado desde o período colonial, passando pelo Império. Morrera como vítima, de forma humilhante a mando da rainha Maria I, (mais tarde, “a Louca”), avó e bisavó dos dons Pedros. Na composição do mito, houve espaço também para o novo Judas – Joaquim Silvério dos Reis.

Se a Inconfidência teve motivação tributária, sua delação e desfecho também o tiveram. Silvério dos Reis, que sequer fora o único traidor, era contratador de tributos, uma espécie de cobrador terceirizado pela Coroa. Estes acabavam sendo os maiores sonegadores. Com avultada dívida e buscando o perdão foi que entregou o movimento. Dez dias depois estava anistiado. Teve que se retirar de Minas Gerais, tamanha comoção popular em torno do réu executado. No Rio de Janeiro, tampouco teve paz. Mudou de nome e foi para o Maranhão, onde morreu em 1818 sem saber que o alferes traído viraria o herói nacional.


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