TOCAR O (SÓ)L – (Lara Utzig)

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Desci do ônibus. Havia marcado com uma amiga na frente do shopping. De lá, iríamos a pé para algum bar, comemorar meu aniversário atrasado. Esses rituais de passagem não me agradam, mas fazer o quê… As pessoas têm essa necessidade de celebrar, então o que resta é me adequar. Cheguei ao local combinado e ela não estava, ligou dizendo que se atrasaria um pouco.

– Faltou luz aqui no bairro.

– Tudo bem, eu espero…

Aguardando num alicerce ao lado do Bob’s comecei a olhar a meu redor. Pernas apressadas. Calças coladas. Piercings no nariz. Bonés de aba reta. Camisas de basquete. Todos eram iguais. Uma multidão de semelhantes. Uma confusão de cores. Senti-me tonta ali. Não havia outra paisagem. Eu era um ponto negro perdido e escorado em uma coluna.

As vozes se confundiam e apenas uma ou outra palavra se fazia inteligível. Falavam (f)utilidades. Foi então que ou(vi): uma metumblr_ma3mswv7PU1rg9lzmo1_500lodia vinha em meu encontro para me fazer fugir dos sussurros daquela plateia de pessoas idênticas: um trompetista tocava.

O trompetista estava lá, de chapéu Panamá e eu cá, vidrada naquele ser humano, talvez o único capaz de me compreender um pouco ali. Ele executava com maestria o repertório e, transitório, era notório que ninguém o notava. Os meninos beijavam meninas. Os meninos se abraçavam entre si. As meninas riam entre elas. E o trompetista estava estático, invisível a esses olhos, assim como eu.

Percebi que o trompetista dividia comigo a mesma solidão, dessa que faz a gente não se sentir em casa. Como se o mundo fosse espaço alugado, não uma morada. Esbarraram em mim cinco vezes, eu contei. Ninguém pediu desculpas. Não há motivo para pedir perdão de quem não se pode ver, muito menos enxergar. Ninguém se sente mal por quem simplesmente não existe.

Tudo que eu queria era que minha amiga chegasse logo…

O trompetista deu a nota sol, tão só que pude quase visualizar o dueto dele com a própria Solidão. Quando ele deu um dó, também me deu dó por não estar com meu violão.

O trompetista me fez companhia naquele sábado à noite e dividiu comigo o mesmo sentimento… De não pertencimento, de ser um estranho no ninho. Isso me arrancou outro sol: sol-riso.

Quando minha amiga enfim apareceu, dei moedas ao músico na saída, não que rodelas com valores estampados resumissem minha gratidão. Peguei no ombro dele e disse:

– Obrigada.tumblr_static_violao-e-sol-g

Acho que ele entendeu e respondeu com um olhar tão cheio de ternura que encarei como se fosse um “de nada”. Foi o encontro de solidões mais bonito que eu já tive.

Segui para o bar com minha amiga. Bebemos e rimos. Continuei vazia. Soube que minutos depois que fomos embora, ocorreu um arrastão dentro do shopping. Uma outra amiga minha que trabalha lá me contou. Inclusive, ela teve que guardar mil reais que estavam no caixa dentro do sutiã.

Escrevo esperando que o trompetista que desconheço o nome esteja bem. E no fundo, também nutro a expectativa de que um dia, conseguiremos encontrar algo que nos preencha, dê asa, e um lugar especial no mundo para ser nossa casa.

(Lara Utzig)

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