Um dia de cão – Crônica experimental de Ronaldo Rodrigues

Crônica experimental de Ronaldo Rodrigues

Toda vez que leio Woody Allen fico tentado a me arriscar naquele estilo de texto: surreal, nonsense, insólito, sei lá, algo assim. Só sei que o carinha mexe com a minha vontade de escrever. Em todo caso, lá vai mais um texto, mesmo que seja somente exercício, inspirado nesse pirado. Leia. Ou não.

Quando o assaltante apontou seu revólver em minha direção, mudei de calçada. Como ele atravessou a calçada e insistiu em me assaltar, mudei de assunto:
– Sou capricorniano!

O assaltante não aceitou aquele argumento, ao que, imediatamente, parti para outro:
– Sabe o que é? Eu não gosto muito dos filmes do Tarantino! Paciência…

Novamente, o assaltante fez sinal de pouco caso. Aí, arrisquei minha última tentativa:
– Eu sou pré-diabético!

O assaltante descartou todos aqueles argumentos, o que, convenhamos, não eram muito fortes mesmo, e a este último ele respondeu rispidamente:
– O que eu tenho a ver com isso? Eu não sou médico!

Ele tinha razão nesse ponto, ainda que eu ache os preços praticados pelos médicos, muitas vezes, verdadeiros assaltos.

A cena continuou, sem que o policial que passava pelo local, levando seu poodle a passeio, tenha esboçado qualquer tentativa de resolver aquele impasse:
– É que estou de folga hoje. É aniversário do meu cachorrinho e prometi a ele que não seria violento hoje. Somente hoje.

Vi logo que teria que sair daquela situação por meus próprios meios, se possível sem uma fratura exposta ou algo tão excitante quanto. Tentei fazer aquilo que sempre vejo nos filmes da TV: pedir socorro até que apareça um super-herói vindo do planeta Krypton, que ache válido livrar a cara de um um sujeito tão desprezível quanto eu.

O assaltante poupou meu trabalho desferindo uma coronhada na minha cara de panaca, o que fez molhar de sangue a sarjeta e me enquadrar nas infrações que um cidadão não deve cometer, como sujar de sangue uma sarjeta recém-reinaugurada com fins eleitoreiros.

Ainda tentei me levantar e sair andando usando minhas próprias pernas, mas o poodle do policial, nervoso com aquela cena, enfiou os dentes no que restou da minha cara. O policial não gostou de ver seu pet se servindo de carne de terceira e descarregou toda a munição de seu revólver em minha carcaça.

Antes de meu suspiro final, agradeci o fato de o policial, naquele dia, não estar tão violento.

THE END

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