Um mergulho nesse rio de gente – Crônica de Ronaldo Rodrigues e ilustração de Ronaldo Rony

Crônica de Ronaldo Rodrigues e ilustração de Ronaldo Rony

Há algum tempo, deixei de ver o Círio passar e passei a mergulhar nesse rio de gente. Creio que há uns cinco anos, no segundo domingo de outubro, quando saio de casa para ir ao encontro dessa multidão, vou também ao encontro da memória da minha mãe, da lembrança de Belém, do cheiro do tucupi.

Também vou ao encontro de mim mesmo e, se você acha que estou usando demais a palavra ‘encontro’, saiba que é proposital. Encontro é o que o Círio, não só a procissão, mas tudo o que envolve esta época do ano, representa para mim. Penso nas pessoas que moram fora, em outras cidades, outros estados e mesmo em outros países, que viajam a Belém para se encontrar com a família, rever os amigos, respirar a cidade.

Mas nem sempre foi assim. No meu ateísmo juvenil, cheguei a renegar o Círio e tudo o que fosse ligado à religião. Com isso, feri muitas pessoas, inclusive minha mãe. Achava o máximo provocar, chocar, marcar minha rebeldia, desfiar minhas opiniões contra Deus, Jesus, Igreja, santos, cristãos, papa etc.

Ainda bem que o tempo vai nos ensinando e eu, tentando aprender com ele, sei que exagerei na dose, provoquei mágoas e, como advogado de minha própria causa, invoco a meu favor, como atenuante, os arroubos da juventude. Hoje penso com mais leveza sobre o conceito de Deus, mantenho minhas críticas ao que afronta o que entendo como religiosidade, mas o Círio está acima disso tudo, porque compreendi a tempo, minha mãe (saiba disso onde estiver), que Nossa Senhora de Nazaré é a síntese do amor de todas as mães, que o Círio inspira, irmana, reúne e congrega os mais diversos pensamentos e sentimentos referentes à força que desafia a lógica. Essa força é a fé.

Domingo estarei novamente entre os caminhantes nas ruas de Macapá, estarei com minha mãe e minha família, amigos daqui e de Belém, presencialmente ou na lembrança, na vontade de bem-querer. Nestes dias de extremos, radicalismos e intolerância, vou me juntar às orações por um Brasil e um mundo justos, fraternos e que façam valer a nossa vocação para a felicidade.

Feliz Círio de Nazaré!

*Crônica de 2018, republicada.

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