Uma crônica para escapar – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Mas escapar de quê? Desse tempo cheio de más notícias? Talvez. Escrever serve para denunciar, tocar o dedo na ferida, ou tocar o sublime. Mas serve também para que tentemos a evasão, que não chamo de fuga e, sim, de trégua.

Escrever sobre algo que não parece importante no primeiro momento também é legal. Como observar um detalhe, uma coisa que talvez já nos tenha chamado a atenção, mas que deixamos pra lá, parecia bobagem. Ou havia outra coisa a ser feita. Ou, simplesmente, nada havia a fazer, inclusive escrever. Em todo caso, escrevi algo que você lerá (ou não, se não quiser) adiante.

A maneira de um guitarrista pegar uma guitarra é diferente da maneira de uma pessoa não guitarrista pegar uma guitarra. Isso chega a ser um pensamento original? Pensei nisso quando meu amigo guitarrista pediu que eu pegasse a guitarra que estava ao meu lado. Pensei nisso porque penso sempre e penso em tudo, pelo menos em algo que possa render uma crônica, um conto, um escrito qualquer, uma postagem para largar na seara interminável da internet.

Meu amigo estava com vontade de tocar, como estou de escrever agora, e como a guitarra estava fora de seu alcance, encostada na parede em que eu também me encostava, seria bem mais fácil que eu pegasse a guitarra para passar a ele. Aí eu entendi (ou percebi com mais atenção) a diferença.

Falei disso ao meu amigo e ele disse que é assim mesmo, do mesmo jeito que ele e eu pegamos um lápis. Além de escrever, também desenho, e ele disse que a maneira de um desenhista pegar um lápis é diferente da maneira de alguém que não desenha pegar um lápis, mesmo que seja somente para transportá-lo de um lugar a outro.

Parece que alguém que não usa um instrumento, quando a circunstância o leva a pegar esse instrumento, pega com somente cuidado (exceto os que pegam qualquer coisa de qualquer jeito), enquanto que a pessoa que usa aquele instrumento pega com um cuidado mais íntimo, com mais carinho, mais delicadamente, mesmo que seja um machado ou um martelo de malhar ferro.

Gostaria muito de sair desse papo com um ensinamento e isso ocorreu. Lembrei de minha mãe, que tinha cuidado e carinho extremos ao guardar seus instrumentos (tesoura, agulha, linha, tecido) depois de findo o trabalho. Essa maneira de minha mãe agir me ensinou a ter cuidado e respeito com meus instrumentos (papel, caneta, lápis, borracha) e achar isso muito importante.

Meu amigo tocou, eu escrevi e satisfiz minha vontade de escrever e de passar alguma coisa legal através de meus instrumentos, que agora estão guardados em seus devidos lugares. Como fazia minha mãe.

Valeu, mãe. De novo.

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