Uma lady (crônica de Lulih Rojanski)

Escritora Lulih Rojanski

 

Uma lady (crônica de Lulih Rojanski)

Eu sou uma pessoa educada. Sem pretensão, sou educadíssima. Educada para resmungar palavrão ameno quando bato a canela ou o cotovelo, para gritar palavrão obsceno quando o motorista da frente dobra sem dar sinal – principalmente quando ela dobra à direita (direita sempre me soa a nocivo), e para chamar de filho da puta o político ladrão. Convenhamos: quando se chama alguém de filho da puta, não se está xingando a mãe, como se dizia quando o termo foi inventado… Filho da puta é apenas sinônimo de salafrário, vagabundo, ordinário, cão do inferno, e tem a função sagrada de lavar a alma na hora da raiva, da desilusão e do estresse.

Meus pais me deram educação primorosa. Não tinha ainda sete anos quando me educaram para revidar humilhação, desrespeito e calúnia. Foi isto, inclusive, que me garantiu dar pedradas em quem me dava tapas na escola, a chamar de piolhento-cara-de-bunda ao menino que me tratava por polaca azeda. O preconceito contido em “polaca” era imenso.

A questão de não levar desaforo pra casa é bastante filosófica. Levar desaforo ou devolvê-lo vai depender muito da disciplina que se tem para, no instante da contenda, lembrar-se do Buda em vez do diabo. Eu juro que tento cultivar atitudes de tolerância quando sou ofendida. O sujeito que tem o dobro do meu tamanho e não quis desviar de mim numa calçada estreita, por exemplo, quase recebeu uma ameaça de morte. Mas minha tolerância só chegou até aí. Olhei para aquele tamanho todo, cheio de saúde e disposição, e perguntei-lhe se tinha mãe. Sou educada o suficiente para acreditar que o limite da tolerância para uma ofensa depende da temperatura do seu sangue. O meu é lava. Sou descendente de poloneses que sofreram no holocausto. Não posso e não quero deixar nada barato.

Já me deparei com gente que me achou com cara de mosca morta porque o revide não veio na hora. Mas a educação para responder à altura que eu trouxe do berço não passou da hora da sobremesa para se manifestar. Com toda a educação que me é inerente, matei a cobra e mostrei o pau, assim que meu ofensor se convenceu de que tinha feito 1×0.

A educação que recebi também veio com palavras mágicas que despertam sorrisos, que estendem mãos, que abrem portas e que estimulam gentilezas. De todas elas, a que mais gosto é: obrigada! Demonstrar gratidão faz parte do pacote de educação que me deram. E a quem não sabe ser grato pelo que recebe, dedico outra expressão mágica que só os bem educados sabem usar: foda-se!

Fui educada para a paciência, para a solidariedade, para a generosidade e a humildade. Nem sempre é possível colocar tudo isso em prática, mas a paciência tem sido meu maior desafio. Perco a paciência comigo mesma quando percebo que ainda espero algo do ser humano. Ou quando me perco no labirinto do “tudo é sobre mim”. Como nesta crônica, por exemplo. Mas também sou educada para sair de fininho e me recolher à significância dos que sabem se mancar e encontrar a saída do labirinto. Pelo menos de vez em quando.

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