Use com moderação – Crônica de Luli Rojanski

Crônica de Luli Rojanski

Abra a porta da minha vida com firmeza, mas não abra mão de entrar de vez em quando pela janela. A primeira coisa que vai me encantar é sua atitude. A segunda, suas garras de tigre. Eu gosto do olhar distraído, mas cuide de onde e quando vai acionar o off, pois embora eu adore seu braço tatuado e o desenho pós-moderno de sua boca, meu tesão maior é por seu cérebro. Nunca pense que sei menos porque falo pouco ou que sei muito porque mostro profunda concentração. Costumo olhar mais para os barcos que passam do que para a teoria do caos. Em compensação, sei dizer duas palavras em polonês: Mój Kochany – Meu amor.

Lembre-se sempre da data do meu aniversário, mas jamais mencione quantos anos eu tinha quando você nasceu. Acredite na minha infância, você vai notar que ela ainda existe! Não ria quando eu falar da encarnação em que fui rainha porque, se você prestar bem atenção, vai ver que trago resquícios de uma altivez real. Portanto, me reverencie, às vezes, porém sem se curvar diante dos meus caprichos, porque eu costumo enjoar da submissão. Mais do que flores, me dê garantia de duradoura libertinagem, de doses diárias de afagos na nuca. Em minha presença, você só deve olhar para mim, ainda que estejamos na presença de uma superstar. Quer olhar para outra mulher? Olhe para Martha Medeiros, pois com ela eu não exitaria em dividi-lo. Mas se ainda assim quiser olhar para outra, que seja só para constatar que eu sou muito melhor!

Não precisa gostar de futebol apenas porque eu gosto, mas jamais torça contra meu time. Tenha noção de tempo, e nunca pergunte as horas quando estiver na cama comigo. Tenho muitas manias, mas não a do amor apressado nem a do sono antes da meia-noite. Depois, o que pode haver além de nosso mundo quando estivermos sobre um lençol com a estampa de uma partitura em allegro*?

Não me deixe brigando sozinha. Eu posso pensar que você não é de nada. Discuta à altura, mas não esqueça de que no final das contas eu tenho razão. É o único modo de eu reconhecer que a razão é sua. Goste de carne vermelha malpassada, de lasanha de espinafre e de pudim de maracujá, ou nunca poderemos jantar juntos. De minha parte, prometo gostar imensamente de rúcula, de tomate seco e de pão integral. Perceba e elogie a mudança de cor dos meus olhos, conforme a luz do dia ou de acordo com meu humor, mas jamais diga que estou com olheiras. Desnecessário. Tenho em casa vários espelhos.

Seja sempre terno, doce e inusitadamente louco. Adoro quebrar a mansidão com uma pegada bem firme, sair da rotina com um convite à pirataria, a um bar imaginário, ao heavy-punk-trash-rock. Cante pra mim ao telefone, me conte de quantas seitas foi adepto, confesse que tomou Daime, que fez picolé de cogumelo e que adorou cannabis no narguilé. Mate-me de rir de sua cueca nova, me sirva pão com ovo e café com leite pela manhã, pois eu sou de carne e osso, embora adore fazer você pensar que nasci no Olimpo. E nunca se canse de repetir que me ama “bem muito”. Acredite: vai sempre funcionar!

*Andamento musical leve e ligeiro.

**Crônica do livro Pérolas ao Sol – 2017.

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