Vai melhorar – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Acordou com o calor que fazia. A energia elétrica tinha pifado e o ventilador estava parado. Ele, que tinha adormecido lendo um livro de autoajuda, falou pra si mesmo:

– Vai melhorar!

Era seis da manhã e ele poderia ficar dormindo até nove horas para levantar e ir ao trabalho. Quando a energia faltava levava quase o dia inteiro pra retornar. O jeito era se espertar e tomar um belo banho. Ou tomar um banho pra se espertar. Ligou o chuveiro, mas o chuveiro não respondeu. A água também tinha faltado. Voltou a falar consigo mesmo:

– Vai melhorar!

Teve que sair sem escovar os dentes e sem tomar banho. Quando ia chegando à parada, ele viu o ônibus que o levaria ao trabalho passando ao largo, com o motorista ignorando totalmente aquele passageiro. O próximo ônibus só passaria, numa perspectiva otimista, dali a 45 minutos. Passou um carro em cima de uma poça de lama. Imagine onde foi parar toda aquela lama! Exatamente. Na calça já encardida do nosso personagem, que falou, com os olhos em direção ao céu:

– Vai melhorar!

Chegou ao trabalho atrasado e foi recebido por um esculacho do chefe. Durante o dia, derramou café na camisa, pegou um tapa de uma colega que achava que ele a estava assediando, teve que refazer várias planilhas que estavam erradas e levou mais alguns esculachos do chefe. Tudo sem perder o otimismo, que o levava a dizer, sempre que acontecia algo errado:

– Vai melhorar!

Ao voltar pra casa, pisou num buraco e torceu o tornozelo, foi perseguido por um cachorro e levou uma mordida justamente no tornozelo machucado, quase foi atropelado por um caminhão e encontrou um credor antigo que lhe passou a maior descompostura. Ele se limitou a abaixar a cabeça e prosseguiu seu caminho, com o mesmo pensamento:

– Vai melhorar!

Chegou à sua casa, já tinha energia e água. Ele tomou o banho de que precisava, se meteu no pijama e se preparou pra ter um pequeno prazer naquele dia tão atrapalhado. Ligou a TV com a intenção de assistir a um jogo de futebol que passava sempre naquele dia e naquele horário. Ele não torcia por time nenhum, mas gostava de uma boa partida de futebol. Foi quando ouviu um locutor anunciando:

– Hoje, excepcionalmente, não exibiremos o jogo anunciado, por motivos de…

Aí já foi demais. Pegou o livro de autoajuda e tacou fogo. Enquanto olhava o livro sendo consumido pelas chamas, ficava repetindo, como se estivesse num transe:

– Vai melhorar! Vai melhorar! Vai melhorar! Vai melhorar! Vai melhorar!

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