Vida longa ao cinema amapaense – Por Manoel do Vale

Por Manoel do Vale

Essa frase encerra o texto de apresentação do catálogo dos filmes produzidos e finalizados com os recursos do primeiro edital do audiovisual do Amapá/FSA, lançado em 2018.

Uma peça gráfica (feita nos estúdios do NAP/Secom) de fino trato, que eterniza a qualidade criativa dos cartazes e das nove obras ali representadas. Coisa fina. Coisa de cinema.

Peça que no futuro será relíquia. Símbolo do encerramento de um ciclo – o da batalha diária por quase duas décadas para conseguir um edital público de prospecção e incentivo à cadeia do audiovisual, indústria que no Amapá emprega e/ou gera renda a uma penca de gente. Coisa de alguns milhares de bocas que ganham seu pão (ou açaí) com ofício de fazer filmes.

Começamos agora novo ciclo para manter essa conquista e expandi-la ainda mais, transformando-a em política pública, compromisso e desafio assumido pelo governador do Amapá, no lançamento oficial/protocolar do edital, que já se animou a meter pilha nos outros governadores da Amazônia para uma ação conjunta de fortalecimento da indústria do cinema na nossa região, um ativo cada vez mais valorizado no mercado mundial, e que no Brasil já injeta mais de 20 bilhões por ano na economia. *

Seis de fevereiro de 2020. Chego ao teatro para a sessão de exibição pública de nove dos 12 filmes selecionados no edital, parceria do Governo do Amapá com a Ancine que ofertou três milhões de reais para a realização dessas obras. Um longa-metragem, duas séries longa-metragem de cinco episódios, 2 telefilmes (um doc e um ficção) e mais quatro curtas (dois documentários e dois de ficção). O longa e as duas séries ainda estão em fase de produção. É trampo.

O Bacabeiras estava que nem cacho do porrudo, teitei de gente e de uma energia espetacular que envolvia orgulho e sensação de dever cumprido e uma resposta a quem diz que cultura não enche barriga.

A boca cheia de sorrisos dos realizadores e seus amigos, os amigos dos amigos, a família, todo mundo que estava lá confirmava que cultura, cinema mais especificamente, enche mais do que a barriga, mas as nossas almas e a percepção da realidade em seus múltiplos aspectos, desde o corriqueiro ir e vir de todos os dias, dos quais são tiradas personagens e histórias curiosas ou mesmo fantásticas que permeiam a vida das pessoas. Ou as criações de cunho mais onírico, onde as experimentações semióticas brincam de pira, e a realidade é lavada e areada na criatividade e talento realizativo.

Foto: Márcio Pinheiro/Ascom GEA

Passo os olhos pelo catálogo. Lá estão expostos os resultados de meses de trabalho, com sinopse e ficha técnica, mais os empregos gerados direta e indiretamente. Tudo pelo certo, como diz o povo das quebradas. Conheço praticamente todo mundo.

Pela minha cabeça passa o pensamento “se no FIM deste ano a galera – sem grana na maioria – fez misura com filmes criativos e de fotografias e acabamento técnico belíssimos (resultado do Festival Curta o Curta, coletivo indígena de produção audiovisual, e da galera do Hip Hop), imagina com financiamento e licenciamento de exibição em TV pública já assinado”.

Não deu outra. Sucesso de público total. Nove obras feitas no capricho e com toda a delicadeza e apuro técnico que o povo do audiovisual veio acumulando nas dezenas de cursos trazidos para o Amapá pelo FIM e a seção amapaense da Associação Brasileira de Documentaristas com apoio do Sesc/AP na maioria das vezes, se não em todas.

Foto: Facebook da Secult/AP

Arte para encher os olhos

Chorei de rir com Açaí, filme do André Cantuária estrelado pelo Joca Monteiro e também com a narrativa do Seu Chico, quilombola do Curiaú contando suas histórias de encantamentos e almas metidas a valentes. Delícia foi ver o Super Panc Me, roteiro bem construído, argumento massa e direção competente. Inquietante o Para Sempre, de Dominique Allan. O resto é poesia, sonora em Passar uma Chuva; visual em Utopia e a Montanha Dourada – estas na categoria poesia cortante, pois ao mesmo tempo que deleita, desperta para a realidade de uma montanha ferida.

Mas o que me encheu os olhos foi a animação Solitude, poesia no volume máximo, delicada, bem-feita. Um brinde à sensibilidade humana, o amor e a nossa capacidade de dar asas aos nossos sentimentos.

Foi uma noite de congraçamento, um verdadeiro bem-vindo Ano Novo aos profissionais do audiovisual. Um momento para ficar na história, como todos os outros no museu vivo do cinema amapaense, que já sabe andar e falar com segurança e fluidez.

Vida longa ao audiovisual amapaense!

*Manoel do Vale é Sou jornalista, poeta, fotógrafo, redator publicitário.
**(dados: O Globo)

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