Vingancinha marota – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Eu sei que toda atividade honesta é digna de respeito etc., mas confesso que tenho vontade de esquecer esse ensinamento dos meus pais quando certa atividade entra em rota de colisão com a minha atividade. Me refiro aos operadores de telemarketing. E creio que eu não seja o único vivente desta era abarrotada de operadores de telemarketing que querem te vender tudo quanto é porra (estão vendo/lendo? Já perdi a porra da paciência! rsrsrs).

Ultimamente, esses caras têm abusado muito da minha zenitude (atitude de quem é zen, segundo meu dicionário) e me enchem tanto o saco que resolvi, para alívio meu e para não tentar algo mais drástico, escrever esta crônica em desagravo, lembrando que, sim, é o trabalho deles e todo mundo tem que arranjar um meio de sobrevivência e tal.

Pois bem. Decidi parar de ignorar a maioria das ligações de números de outros estados, mas faço uma ou outra concessão e topo levar um papo com esse profissional que só tem duas coisas a fazer na vida: perguntar por alguém que eu não faço a menor ideia de quem seja ou tentar me empurrar bolso adentro um pacote hiper-mega-ultra-supervantajoso, que vai me permitir falar com o pessoal de Marte, caso eu tenha algum conhecido lá.

A última ligação que recebi (espero, mas não creio, que seja realmente a última) o cara, pela milésima vez, me perguntou se o meu número pertencia ao seu João Everaldo. Já me perguntaram tanto por esse sujeito que quase chego a me perguntar se não o conheço mesmo. Respondi, respirando fundo e indo buscar, lá no mais íntimo do meu ser, o último fio de gentileza e da minha já citada zenitude:

– Já disse que não conheço ninguém com a porra desse nome, caraaaaaaalhooooo!

Claro que exagerei um pouco aqui e jamais respondi a alguém dessa forma, é mais para dar a medida do que me provocam essas ligações. Ontem eu fingi que sou um homem extremamente ocupado e fiz ao operador da vez um relato do que essas ligações provocam no meu dia a dia:

– Moço, é o seguinte. Por favor, me escute! Eu trabalho no setor de criação de uma agência de publicidade e esse meu trabalho consiste justamente em ter ideias. Tenho que parir ideias a todo momento. Mesmo que não sejam geniais, precisam ser ideias pelo menos razoáveis, aquelas que, na pior das hipóteses, possam ser bem embaladas e resolvam/atendam/satisfaçam os clientes e seus públicos. Aí, no exato momento em que estou tendo a tal da ideia, tu, ou alguém da tua laia, me liga, interrompendo meu já surrado raciocínio e mandando pelo ralo qualquer ideia que qualquer cristão, mesmo que não trabalhe com ideias, possa ter. Tu apagas, com uma ligação que eu não pedi sobre algo que não me interessa, qualquer vislumbre/lampejo/centelha que possa ser uma chama, uma faísca, algo que eu possa agarrar e puxar e lapidar e burilar até que se torne uma bendita boa ideia que me faça resolver o job em questão. E aí? Quem paga esse prejuízo?

Aí o cara responde, numa calma exasperante, quem sabe lendo o Sagrado Manual do Operador de Telemarketing, edição revista e ampliada:

– Calma. O senhor vai estar me desculpando, mas estou apenas fazendo o meu trabalho.

– Ah, tá! – respondo eu – Então o TEU trabalho é atrapalhar o MEU trabalho! É isso? É isso, canalha? – Esse canalha é exagero meu também. Não chamei o cara de canalha.

– Desculpe, senhor, mas o senhor está muito nervoso. Vou estar desligando. Bom dia, senhor.

– Bom dia é o caralho! – Desta vez eu disse assim mesmo, mas antes me certifiquei de que ele já havia desligado.

Me senti vingado, uma vingancinha marota, que não vai impedir que os operadores de telemarketing continuem sua saga de perturbar os pobres seres que possuem uma linha telefônica. Epa! Meu celular tá tocando! Deixa eu ver de onde me chamam. De São Paulo. Só pode ser um operador de telemarketing. Desta vez, vou mudar de tática:

– Puxa! Ainda bem que tu ligaste, meu amigo seja quem for! Eu preciso falar com alguém! Preciso desabafar! Minha vida tá uma merda! Me escuta! Me escuta!

Bora ver no que vai dar. Queres que eu te vingue também, minha cara leitora, meu digníssimo leitor? Pode ser divertido. rsrsrsrs

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