VOLTA À TERRA – Crônica de Fernando Canto

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Crônica de Fernando Canto

Os olhos são como câmeras atentas ao menor movimento. E estão à espreita junto ao vento que passa cinzelando nuvens brutas sobre a paisagem, deixada na geografia da memória há tanto tempo. Então passa na cabeça o sentido do adentrar à casa, há tanto tempo alugada para inquilinos desconhecidos.

A BR-156 realmente é uma artéria. E não só bambeia sangue para o coração. Ela sangueia um pote de desejos, contidas revoltas e o sonho que incorpora o ato de amar. Esta estrada que ora passo me leva à aventura estranha do silêncio, ao parto mecânico da obra humana e ao fulgurante farfalhar de galhos que me saúdam ao brotarem do cerrado. Estou em casa, creio.IMG_2334

Eu dialogo com a terra e com a topografia que margeia o asfalto, pois adentro a sala antiga pelas frestas, e piso o patamar que me deu o toque para a decisão de um dia ir embora. Lá dentro não há tanta luz porque as janelas ainda estão fechadas.

Carretas enormes cruzam a estrada. Levam toras e o ouro no oco do tronco. Levam as células róseas dos braços dos trabalhadores e o suor não remunerado misturado à seiva. Estou em casa, creio, porque além dessa dimensão sociológica subo as ladeiras espantando anuns. Adiante, carcaças de animais surgem sobre o asfalto para renascer lá atrás como uma foto que testemunha parte do meio ambiente a fenecer.IMG_2352

Estou apenas indo a algum lugar. A vegetação parece não mudar, mas muda. O cerrado dá lugar à homogênea plantação de “pinus” e à frente buritizais eclodem em cima de águas paradas como se estivessem solicitando socorro, porque descascam e perdem as palmas, esturricadas pelo sol do verão. Creio, estou em casa.

Voltar à terra é pedir que a terra volte à nós, que nos aceite e que haja reciprocidade nas ações e nos sentidos. Voltar é voltear ternura em torno dela e de nós. Voltar é retomar o peso da pedra, o húmus do chão e sentir o cheiro da água no gesto ritual de um novo batismo, pois a água espanta sortilégios e permite para sempre a relatumblr_lbh21hVNkb1qazl8jo1_500ção com o sagrado das entranhas da terra, que neste momento se abre em fendas e expele o gás do encantamento.

Aprendo pela relatividade da ciência, nesta viagem, que a terra gira, mas juro pela velocidade da terra que giro em prantos quando neste caminho acredito na certeza de chegar ao meu destino, voltar às origens e embebedar-me da luz que banha a gleba da emoção no meio do mundo. Estou em casa, creio.

*Imagens Googles e fotos da BRA-156: Elton Tavares

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