Adoro certos termos que vêm e vão, como ondas e marés.
Narrativa é um deles.
Não sei bem o que significa, mas adoro sua sonoridade e seus múltiplos sentidos.
Então, é o seguinte: vozes cavernosas que integram o governo Bolsonaro estão saindo das cavernas em que se encontram para ecoar, com alarido, suas narrativas.
As narrativas são as mais amalucadas, como amalucado é o governo Bolsonaro. Mas, de qualquer forma, são narrativas. E convém que a consideremos assim.
Pois uma narrativa que ganha corpo, entre as vozes cavernosas do governo Bolsonaro e do Ministério da Saúde, é de que a tragédia em Manaus – onde pacientes estão morrendo de Covid sem oxigênio – é resultado, digamos assim, de uma maluquice intramuros, ou seja, de doidices que os amazonenses estariam disseminando apenas entre eles.
Por essa narrativa de bolsonaristas cavernosos, o que se passa em Manaus não deve ser atribuído ao governo Bolsonaro, mas a brigas, a maluquices, à bagunça e à corrupção que grassam entre o governo do estado e prefeituras do Amazonas, todos entretidos numa luta política encarniçada.
Pois é.
Vozes cavernosas do governo Bolsonaro têm a mais completa autoridade – moral e intelectual – para apresentar essa narrativa. Porque conhecem, porque convivem, porque têm intimidade com brigas, com bagunças, com o caos, com maluquices que representam a cara e a alma do governo Bolsonaro.
Ah, sim: sem falar que vozes cavernosas do governo Bolsonaro têm a máxima razão quando atribuem a tragédia em Manaus também à corrupção. Porque sabem que o governo Bolsonaro igualmente tem se notabilizado pela corrupção, não é?
Porque corrupção não é apenas meter a mão no cofre, puxar a dinheirama de lá e enfiá-la nos próprios bolsos e cuecas. Corrupção é corromper.
Quando se corrompem valores universalmente consagrados, como o do respeito à vida humana, isso também é corrupção da grossa.
Eis um fato incontornável.
As vozes cavernosas do governo Bolsonaro podem até não admitir ideologicamente esse fato, mas é preciso, pelo menos, admiti-lo racionalmente.
Fonte: Espaço Aberto.