Crônica de Ronaldo Rodrigues
Hoje senti uma coisa estranha aqui no peito. Um aperto, uma sensação, ainda que branda, de sufocamento. Procurei o dicionário de sentimentos e descobri o que era aquilo: saudade. Puxa! Há quanto tempo eu não sentia saudade… Ainda mais na terça-feira. Não costumo sentir saudade na terça. Isso acontece mais no final da tarde de domingo. Mas saudade de quê? Aquilo ainda estava meio indefinido. Até que me lembrei de algumas conversas recentes com amigos e detectei: era saudade dos filmes que vi na TV, ainda menino. Tenho falado sobre isso, de como a programação televisiva de antigamente (bem antigamente, século, milênio passado) era legal. De como vi filmes nas Sessões da Tarde da vida, nas Corujas Coloridas das madrugadas, que nunca tive o prazer de rever. Alguns: El Cid, Os Canhões de Navarone, Casa de Chá do Luar de Agosto, Joaquim Murieta, Os Canhões de San Sebastian, O Santo Relutante, O Rato que Ruge, Ândrocles e o Leão, O Incrível Exército Brancaleone, A 25ª Hora. E os brasileiros Vidas Secas, O Cangaceiro, Meu Pé de Laranja Lima, os filmes do Mazzaropi. Passavam filmes assim na TV. O Planeta dos Macacos, por exemplo, com sua cena final clássica: Taylor (Charlton Reston) deparando com a cabeça da Estátua da Liberdade caída na praia, mostrando que o astronauta esteve no planeta Terra o tempo todo. Tem um filme legal que vi numa madrugada e nunca mais revi: Hell’s Kitchen, com o Silvester Stallone (pasme!).
Lembro dos festivais temáticos, tipo: toda quinta-feira um filme de Jerry Lewis. Outras vezes, sequências semanais de chanchadas. Vi Grande Otelo, Oscarito, Ankito. Todos em ótima forma. E o
impagável Zé Trindade. Putz! Que saudade! Até rimou…
E lá vêm lembranças boas: Tarzan, Jim das Selvas, Rin-Tin-Tin, Durango Kid, Roy Rogers, Os Waltons, Zorro, Buck Rogers, Bonanza, O Elo Perdido, Paladino do Oeste, Chaplin, Harold Lloyd, Abbott & Costelo. E não posso, não devo, não quero e não v
ou esquecer do meu primeiro super-herói: Batman. Aquele mesmo, meio tosco, com seu vilões bizarros e as onomatopeias dos quadrinhos explodindo na tela da TV.
As novelas também eram legais. Saramandaia, a original, de 1976, era fantástica. Fantástica mesmo, porque o autor Dias Gomes (desconfiei eu, já grandinho) se inspirava, e muito, em García Márquez e o realismo mágico da literatura latino-americana. O Casarão, outra novela muito boa, se passava em três fases históricas e falava da paixão eterna do escultor boêmio João Maciel pela bela Carolina. A Escrava Isaura, primeira atuação de Lucélia Santos, arrebatava as multidões. Lembro de eu e meus amigos de infância torcendo pela heroína, sempre perseguida pelo malvado Leôncio. Estúpido Cupido era do escritor Mário Prata e trazia no elenco jovens atores: Nei Latorraca, Ricardo Blat, João Carlos Barroso, Françoise Fourton, Djenane Machado. E monstros já consagrados: Leonardo Vilar, Mauro Mendonça, Maria Della Costa. Na novela Pai Herói, Tony Ramos tocava trumpete e a música que ele tocava, nós, moleques da minha rua, aprendemos a tocar num instrumento de brinquedo. Na novela Duas Vidas, o personagem do Mário Gomes, em certa fase, passou a ser cantor e usava um colar que virou moda. Todo moleque tinha o seu colar, bem coladinho ao pescoço.
Existem muitas lembranças, mas agora chega. Vou fechar o meu baú. Com muito cuidado, é claro. Já aprendi nesses anos todos que não devemos matar a saudade. Deixemos que ela, e nós, fiquemos vivos.