O monstro da lagoa – Crônica de Ronaldo Rodrigues


Crônica de Ronaldo Rodrigues

A lagoa está no maior marasmo. As águas tranquilas não indicam qualquer movimentação, nenhum rumor de vida acima e abaixo da lagoa. Mas essa aparente tranquilidade não significa sossego, serenidade, calma. Nada disso. Significa falta de vida, paralisia causada pelo medo. Ou somente cansaço.

Eis que um marulhar se ouve e alguns círculos se abrem na superfície da lagoa. Um olho aparece, depois o outro. Por fim, vê-se uma cabeça enorme surgindo de dentro da lagoa. É o monstro que hibernava em seu reino, lá nas profundezas da solidão, do descaso, do desprezo, e agora mostra sua gigantesca vontade de voltar à vida.

O monstro aparece e espanta o marasmo, a preguiça, a falta de tempo, a falta de vergonha e o excesso de desculpas esfarrapadas.

Pois esse é o monstro da inspiração, a serpente do brilho criativo, a bendita iluminação. Após um longo período, o monstro finalmente responde aos estímulos, à centelha, ao impulso de criar. Ele retorna livre, amparado pelas musas, encantado pelas músicas, pronto a produzir textos, desenhos, pinturas, acordes, coreografias que fazem com que este mundo possa respirar um pouco mais suavemente.

É assim o meu monstro. Ele fica por longo tempo sem querer ou sem poder sair do seu ninho, casulo, castelo, labirinto, canto de gaveta, que ficam lá no fundo da lagoa. Às vezes, bate um desespero e aquela sensação que assalta muitos seres criativos: será que a fonte secou? Os assuntos se esgotaram? Já não existem temas inéditos? Ou chegaram ao fim as formas novas de abordar os velhos temas?

Às vezes, é preciso que alguém venha jogar algumas pedras na água, gritar à beira da lagoa, desafiar os brios do monstro para que este retorne. É o que está ocorrendo agora, o meu monstro respondendo a uma provocação de um amigo que acredita na necessidade dos escritos e dos escritores para a sobrevivência do gênero humano na Terra. E que os monstros da inspiração devem ser frequentemente instigados para que não fiquem jazendo nas profundezas da lagoa. E que venham para a vida e que esta seja, assim, retomada.

Valeu, Elton! Taí uma crônica. Tuas provocações sempre funcionam.

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