ADORADORES DO SOL(*) – Crônica de Fernando Canto

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Fotos: Manoel Raimundo Fonseca

Crônica de Fernando Canto

Os olhos espantados dos turistas aguardavam a penetração do sol no orifício do monumento Marco Zero. Os presentes se encantaram com o som dos tambores do Marabaixo que irrompeu subitamente no recinto. Adiante crianças, jovens e velhas negras balançavam as saias esvoaçantes. Acontecia mais um Equinócio da Primavera no Meio do Mundo. A energia do astro-rei fluía para o centro da terra e os novos adoradores do sol recebiam de mãos abertas os raios solares com gestos ritualísticos, esfregando-os pelo corpo, como se o lavassem com uma água invisível e perfumada. E dançavam e fotografavam apreendendo aquele momento. Seus óculos escuros refletiam a imagem do Marco Zero e das mulheres de roupas coloridas ao redor. Pessoas gritavam como se festejassem um fragmento religioso de sua tribo há muito perdido no tempo, mas que agora era encarnado em sua plenitude.

Turistas e nativos estavam embevecidos de luz. A claridade reinava irradiando mistérios sobre a cidade em mais uma data em que o arco do dia era igual ao da noite: um dia equinocial. Iridescente e translúcido no meio do planeta, aqui em Macapá, na Amazônia brasileira.

O sol que ilumina a todos, que traz a luz e rompe trevas está presente no imaginário de muitas religiões, porque todas as cosmogonias se relacionavam geralmente com as divindades da natureza. No antigo Egito, o Sol, o mais importante dos deuses, tinha diversos nomes. As interpretações dadas às suas funções eram extremamente variadas: chamava-se Rá, o deus supremo, quando estava no zênite. Como disco solar chamava-se Aten; como sol nascente tinha o nome de Kepri, um grande escaravelho que faz rolar à sua frente a bola de sol, assim como na terra o escaravelho faz rolar a bola de excremento em que pôs os ovos e da qual sairá nova vida. Também tinha o nome de Hórus. No Japão, Amaterasu é a deusa homônima. Já na África tropical a mitologia sobre o sol é escassa porque ele está sempre presente, não havendo necessidade de chamá-lo de volta no inverno, como os homens o faziam nos climas frios do norte da Europa ou do Japão. Na Babilônia, na época de Hamurábi (cerca de 1.700 a.C.), um dos deuses mais ativos era Shamash, o sol, também conhecido por Babar, “o Brilhante”. O sol era igualmente venerado pelos sumérios, particularmente em Larsa e Siippar, onde o adoravam sob o nome de Uru. Os Incas reclamam para si um relacionamento especial entre a nobreza e o deus Sol. O seu sistema social assentava-se no princípio hierárquico de monarquia divina e o prestígio de sua autoridade estava ligado ao culto desse astro.

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Foto: Márcia do Carmo

Há, ainda, uma relação interessante entre as grandes religiões orientais e os fenômenos solares: o ano-novo judaico inicia no Equinócio da Primavera (em setembro), da mesma forma que o “Nauroz”, o ano-novo do Afeganistão começa no dia 21 de março, para eles também Equinócio da Primavera, quando o dia e a noite tem a mesma duração (no hemisfério Norte). Segundo Asne Seierstand, autora do belíssimo O Livreiro de Cabul, os afegãos fazem grandes festas em todo o país, apesar de o Talibã, regime teocrático islâmico que por lá passou, tê-lo proibido por considerá-lo uma festa pagã, um culto ao sol, e por ter raízes na religião zoroástrica – Adoradores do fogo – originário da Pérsia do século VI a. C. Atividades como a celebração dos druidas do solstício de verão em Stonehenge (Inglaterra) podem ser considerados como uma sobrevivência da ideia do poder mágico, da força que se pode armazenar em “acumuladores materiais”, como os monumentos megalíticos ali existentes. Da mesma forma, as grandes pedras encontradas em círculo, recentemente, em Calçoene, também podem ser considerados antigos locais de observação do sol e de acumulação de energia deixados por alguma tribo indígena. Mas não basta apenas comparar, apesar de o sol estar presente em todas as culturas. Agora o turismo amapaense precisa apostar nesse segmento insólito, que encanta e que irradia a mágica das luzes do equador. Precisa ir além de agregar valor e partir para o desafio de celebrar a vida e sua magia com os futuros visitantes do Amapá.

(*) Do livro “Adoradores do Sol – Textuário do Meio do Mundo, Scortecci, São Paulo, 2010.

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