Textos de Ronaldo Rodrigues
Quando o Amazonas enche, invade a minha casa. Quando seca e vai embora, só deixa lama. É um acordo que fiz com ele. Na lama do Amazonas, planto sementes de girassol. Quando os girassóis brotam, desligo todas as luzes da casa e deixo a plantação iluminando tudo: a casa, a rua, o bairro, a cidade, o país e o mundo. Você poderá pensar que só os girassóis não são suficientes. É verdade. Os vaga-lumes também ajudam.
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A cadeira de balanço tem um ar sombrio, preocupado. Parece temer que alguém, numa sentada brusca, a destrua.
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Chapéu, boné, boina, quipá.
Barrete, capacete, turbante, filá, cocar.
Gorro, tiara, véu, solidéu.
E todo tipo de chapéu.
Tanta coisa pra colocar na cabeça e você aí com essas ideias tolas.
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ESCÂNDALO!
A secretária eletrônica fugiu com o criado-mudo!
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PRECAUÇÃO
Sempre levo comigo uma agenda, um livro, algo assim. Se vier um vento muito forte, terei no que me segurar.
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Atrás de mim meus passos deixam impressos seus ecos: sombras nos muros dos becos.
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ANONIMATO
ESTRELATO
Tudo é questão de ATO
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ESSE É DE FÉ!
– Cadê Zumbi?
– Foi ali fundar um quilombo e já volta!
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STRIP-TEASE
– Gosto do jeito que essa mulher se veste.
– Precisas ver o jeito que ela se despe.
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Abelhas se comunicam.
Pássaros se comunicam.
Golfinhos se comunicam.
Pessoas falam.
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Dentro do osso tem tutano. Pela espinha corre uma tal de medula. Por todo o corpo corre sangue e água. E sem perceber somos atravessados por uma imensidão de líquidos que vamos, aqui e ali, desaguando para absorver mais líquido quando cai a chuva.
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QUE DESÁFORO!
O motorista taropelou o semáforo!
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O corpo tem uma porção de janelinhas chamadas poros. De alguns poros saem pêlos. Como se das janelinhas (poros) saíssem braços (pêlos). O corpo é um edifício de milhões de janelinhas com braços acenando para o vento.
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TE OFEREÇO MEU PEITO CHEIO DE PAIXÃO E NICOTINA
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A sombra que me segue – O sol que me cega – Sina de vida cigana – Que siga enquanto se engana – Que chegue enquanto me despeço – Que se faça enquanto me desfaço – Que passe enquanto me disperso
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Noite alta, lua mansa. Eu e você. Eu acordado, você acesa. Nesse amasso, nesse remanso, nessa dança. Brincadeira que não cessa, tarefa que não cansa. Até que já velhinhos, cheios de ruga e tesão e esperança, voltemos a ser o que nunca deixamos de ser: crianças.