Conto de Ronaldo Rodrigues
Numa panorâmica pelo quarto, vamos encontrar um cesto de lixo transbordando papéis amassados e copinhos de café. Sobre a mesa, uma velha máquina de escrever, uma caneta com tampa mordida e um cinzeiro com ponta de cigarro ainda acesa.
O homem nu, de gravata e chapéu, nada consegue escrever, apesar de sua insistência e do relógio na parede sempre avançando as horas e o lembrando do compromisso inadiável.
Deitada nua no sofá, a mulher dorme. Seu rosto denuncia um sonho bonito. Ela sorri e murmura algumas frases incompreensíveis.
O homem nu, de gravata e chapéu, veste a calça, o paletó, coloca os sapatos e acorda a mulher, mostrando o relógio na parede. É chegada a hora da partida. A mulher balança levemente as mãos, dissipando uns restos de sonho, e também se veste. Os dois saem.
Na escuridão, no mais absoluto silêncio, o gato desce do sótão e senta-se diante da máquina de escrever.
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Homem e mulher chegam apressados à estação. Por pouco não perdem o embarque. O trem dispara velozmente por entre montanhas, vales e florestas. No próximo túnel, as trevas da noite engolirão o trem, que vai cair no abismo. É um trem exclusivo de suicidas.
Segundos antes de o trem se desmantelar na muralha do vazio, a mulher olha para o homem e pergunta se ele conseguiu escrever a carta de despedida:
– Não consegui. Espero que o gato consiga…