A Loja de Produtos Abstratos – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Acordei às quatro horas da madrugada, tinha perdido o sono. E eu teria que me levantar às sete e meia para iniciar o ritual de ir ao trabalho. Ou seja, eu dispunha de um tempo considerável para aproveitar entre as cobertas, ainda mais que estava caindo uma chuvinha gostosa, propícia para ficar na cama entregue a Morfeu. Mas quem disse que eu conseguia pegar no sono outra vez?

Depois de rolar na cama por algum tempo, entendi que não adiantaria tentar voltar a dormir. Lembrei de um empreendimento surgido há pouco tempo, inaugurado como uma grande sensação, um conceito totalmente novo de negócio. Era a Loja de Produtos Abstratos, que atendia a qualquer hora e comercializava artigos como coragem, esperança, vontade, esse tipo de mercadoria. Eu não sou de embarcar em qualquer novidade, ainda mais quando ela é muito comentada, mas venci essa minha tendência e liguei para a loja:

– Alô. Eu gostaria de saber se vocês têm sono para vender. Eu acabei de perder o meu e não consigo fazer com que ele volte. Podem me ajudar?

A voz do outro lado respondeu, entre um bocejo e outro. Vi logo que eles tinham sono:

– Temos sono, sim, senhor, mas só para consumo próprio. Sono para venda acabou. Sinto muito, senhor.

– Mas nem um pouquinho de nada? Eu não preciso de muito sono, só até sete e meia da manhã.

– Só tenho o meu sono, que vou usar assim que encerrar o atendimento ao senhor. Meu expediente já está no final. Se o senhor tivesse ligado meia hora antes, teríamos um estoque novinho de sono.

– E o que aconteceu com ele?

– Foi comprado por um cidadão que sofre de insônia, senhor. Ele estava há três dias sem pregar o olho. Encomendou o carregamento todo.

Fiquei desapontado, mas continuei aquele insólito diálogo:

– E o que você me aconselha para recuperar o sono?

– Ligue a televisão. Para mim, é infalível. Sempre que ligo a TV, dentro de cinco minutos já estou roncando.

– Não tenho paciência para ver televisão. Por falar nisso, vocês não teriam paciência para vender? Estou muito necessitado.

– Paciência é um produto que não fica muito tempo na prateleira. É uma das mercadorias mais procuradas. Deve ser por causa da situação política e econômica do país, que deixa todo mundo sem paciência, precisando repor a toda hora. Mais alguma coisa, senhor?

– Bom… Já que estou no meio da madrugada e daqui a pouco terei que me levantar, preciso de muita disposição para encarar o trabalho. Tem disposição?

– Sim, senhor. Finalmente, vamos poder atendê-lo. E já que os dois artigos que o senhor procurava estão em falta, vamos fazer uma promoção especial para compensar: um pacote com porções generosas de disposição + ânimo + entusiasmo.

¬– Legal! Gostei! Uma espécie de combo!

– Exatamente, senhor! Vamos entregar agora mesmo. Diga lá o seu endereço.

E foi assim que me tornei cliente da Loja de Produtos Abstratos. Eu recomendo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *