Crônica de Ronaldo Rodrigues
Eu conheci um santo. Ele se aproximava de nós e imediatamente a paz se fazia. Ele passava sem nada dizer. Simplesmente passava. Nós continuávamos a brincar, na maior tranquilidade.
Um dia o santo foi acusado de sei lá o quê. Como criança, eu não podia me inteirar do acontecido. Só sei que parte da cidade virou a cara para ele. Até tentativas de linchamento ele sofreu. E não dizia nada em sua defesa.
Em casa, a conversa sobre o fato era velada. Mamãe pedia para papai não comentar nada diante de nós, as crianças da casa. Mas aqui e ali se pegava pedaços de conversa.
Um dia acordamos com a notícia que o santo seria executado. Tinha pena de morte na minha cidade? Pelo jeito, sim. Talvez tenha sido instaurada só para o caso do santo. A parte da cidade que acreditava na santidade do santo fez o maior barulho: protestos, passeatas, manifestações violentas. Teve gente que fez até greve de fome. A outra parte da cidade, a que queria a condenação do santo, fez festa o dia todo, estourou foguetes, fez churrasco, cantou e dançou até a hora da execução.
Ninguém nunca soube mesmo se ele era santo. Para mim era. Só com aquela passada que deixava a gente sem pensar em briga. Agora, depois de 30 anos de sua morte, ao passar pela cidadezinha que deixei aos doze anos, o túmulo do santo continua visitado diariamente. A sepultura está sempre com flores novas. E os descendentes da parcela da cidade que festejou sua morte juram que ele é santo mesmo. E faz cada milagre!
Ronaldo Rodrigues