Reformar a saúde mental no Amapá: coisa de louco! (Será?)


Tratamento ou cuidado? Doente mental ou pessoa acometida por transtorno mental? Desinstitucionalização ou desassistência? A reforma psiquiátrica no Brasil já completa oficialmente uma década este ano. A lei 10.216 aprovada em abril de 2002 finalmente é possível de se em prática. Há os que criticam, afirmando que não dá certo, que os “loucos” ficam soltos por ai. Enfim, tudo isso é fruto do sistema “democrático” em que vivemos, cada um expressa sua opinião e esta deve ser respeitada.

Divergências a parte, é preciso focalizar mesmo nos desafios que esta proposta traz. Em vários estados brasileiros, as experiências são muitas e cada vez mais o Ministério da Saúde investe nesse campo. Mas ainda há o que avançar.

No que diz respeito à realidade da saúde mental no Amapá, é preciso levar em consideração alguns aspectos históricos centrais que desafiam a implementação da reforma psiquiátrica: 1) trata-se de um estado que não possui registro da existência de hospitais de grande porte (manicômios)[1] ; 2) a Política de Saúde Mental está na fase inicial; e 3) há uma escassez de profissionais especializados na área, em especial médicos psiquiatras.
No primeiro aspecto, apesar da não existência de manicômios no estado, nota-se entretanto, a cultura manicomial inscrita no tecido social, ou seja, a ideia de que a segregação e exclusão da pessoa acometida por sofrimento mental do convívio social são medidas necessárias. Este olhar dificulta a implementação dos serviços substitutivos, uma vez que estes atuam para inclusão e respeito aos direitos das pessoas acometidas por transtornos mentais. Vale ressaltar, que é necessário uma política de esclarecimento junto a população e à mídia local a respeito dos direitos e das mudanças na assistência médica-jurídica aos usuários e familiares.
O segundo ponto é consequência do primeiro, pois, a incipiente política de saúde mental precisa da organização política ativa da sociedade civil, como conselhos, fóruns e associações, isto é, para que uma política seja implementada é essencial que a sociedade civil também se comprometa nessa ação e deixe de centralizar as decisões no Estado.
O terceiro fator relaciona-se com os demais no que tange a formação acadêmica. No Amapá, ainda existem poucos cursos de nível superior e tecnológico no campo da saúde, em especial o curso de medicina que está em fase de implantação. A contratação de profissionais especializados fica dependente do recrutamento em outros estados, o que dificulta o andamento dos serviços de saúde mental, bem como aumenta os custos nessa área. Observa-se que este fenômeno traz sérias restrições no quadro funcional dos serviços substitutivos.

É claro que ainda há outros aspectos importantes que não cabem enumerar aqui. Contudo, estas são algumas variáveis a se considerar para o sucesso da implementação da política, com vistas à superação dos desafios. Para  equipe técnica que forma esta Coordenadoria Estadual de Saúde Mental da SESA, priorizar as ações na direção de um trabalho sensibilizador da comunidade em geral, no sentido de disseminar a cultura antimanicomial e promover a autonomia dos serviços oferecidos à população é talvez um dos maiores desafios.
Afinal, promover saúde mental é principalmente transformar olhares, e coisa de louco é continuar ampliando prisões, reproduzindo a lógica perversa do manicômio, repetindo por ai que “loucos são eles!”
E aqueles que foram vistos dançando, foram julgados insanos por aqueles que não escutavam a música” (Nietzsche)

Janisse Carvalho

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