A Engenharia da Arte (Sobre o curso em Artes Cênicas da Universidade Federal do Amapá)


Ontem (12), foi aprovado o Curso de Artes Cênicas na Universidade Federal do Amapá – UNIFAP, e apesar de ter significado um grande avanço, algumas pessoas, acostumadas a mediocridade e sem nenhum, ou para ser mais branda, com pouco senso crítico, insistem em criticar a iniciativa alegando que “um curso de engenharia” seria muito melhor!

Fico pensando que essas pessoas são do tipo que, querendo comer uma sobremesa ao ganhar um algodão doce, reclama pois queria um chocolate. Ao ter o chocolate reclama que queria um mousse de chocolate, ao consegui-lo reclama por um petit gateu ! Isso não significa que um curso de artes cênicas é o algodão doce e o curso de engenharia é o petit gateu! Na minha opinião é exatamente o contrário, mas, o que esta em evidencia nesse exemplo é a eterna condição de insatisfação humana, que não consegue degustar com prazer o que se têm, que critica sem conhecer, que classifica a vida em melhor e pior e por isso enchem os consultórios médicos e de psicologia.

O debate sobre a arte ser uma disciplina menor que engenharia, medicina, psicologia etc. é antigo! Na verdade não tão antigo assim. Surge com o advento do racionalismo cientifico do séc. XVIII e XIX que para “comprovar” sua eficácia de “mais verdadeiro saber” relegou a arte uma importância menor. Este movimento, sustentado pelas mudanças no mundo do trabalho e com a acessão do capitalismo burguês, começa a qualificar a produção de riquezas instituindo um modo de vida pautado no trabalho assalariado, sistemático com o único objetivo: acumular riquezas.

Artistas, loucos, deficientes físicos, mulheres, crianças eram todos considerados improdutivos por isso, seres inferiores (sem falar dos negros que eram classificados como “raça inferior” pela própria ciência!). O oficio do artesão leva muito tempo “útil”, a sacada era produção em larga escala, tudo igual!

E assim estamos até hoje! Todos iguais! Vestindo calças jeans (mesmo vivendo num clima improprio para a vestimenta), usando relógio, acordando cedo, trabalhando 8, 10, 12 horas por dia, todos os dias!!! E ai de quem resolva ficar em casa dormindo, descansando! Em alguns empregos, não se pode nem adoecer!  Assim somos nós hoje: igual a todo mundo.

E as artes nesse contexto, onde fica? Não fica. Até o campo das artes sofreu interferência desse mercado, mas isso é um outro assunto que não pretendo aprofundar aqui! Fica pro próximo texto! (rs)

Ai vem um “igual a todo mundo” e pergunta: “se o Amapá tem muito minério para ser explorado, não seria melhor ter um curso de engenharia de minas ao invés de um curso de artes cênicas? Afinal , é a vocação econômica do Estado!”

É, tenho que dormir com um comentário desses! Na boa, vocação de “c” é “r”!!!

É claro que o Amapá precisa de um curso de engenharia, na verdade precisa de um monte de coisa!!! Inclusive vergonha na cara! Em 2005, quando voltei pra Macapá a UNIFAP esta sob a ameaça de ser rebaixada a um centro universitário! Não virou por arranjos políticos, os mesmos que a deixaram abandonada por anos! A UNIFAP não tem cumprido a contento a missão de transformar a comunidade! Falta publicização das pesquisas, uma extensão transformadora. Enfim, com certeza, ela tem melhorado muito desde 2005, mas ainda falta percorrer um longo caminho.

A aprovação de um curso de artes cênicas é só um passo diante da grandiosidade do desafio da Universidade. É fruto de uma organização dos sujeitos culturais que há décadas vêm trabalhando com escassos recursos, quando têm, e prestigiados por um publico ainda ínfimo! Além disso, os grupos de teatro se submetem a receber migalhas dos governos que quando pagam, acham que estão fazendo um favor. Os “filhos da terra” precisam deixar suas famílias e amigos para irem estudar em outros estados, e quando voltam, não têm o reconhecimento merecido!

A cena cultural no Amapá precisa de investimento e não de trocados para o lanche!

Um curso superior em artes cênicas é sem duvida um avanço importante em direção a profissionalização.

A sociedade amapaense precisa aprender a valorizar seus artistas! Quem diz que no Amapá não tem arte, é porque muito provavelmente vive num circuito alienante de casa-trabalho-(boteco-boite)-aeroporto. Pouco se disponibiliza em conhecer o que acontece na cena cultural. Prefere gastar uma grana pra viajar e assistir a espetáculos fora do Amapá, do que sair da sua churrasqueira e ir ao teatro.

Não que viajar seja ruim. Pelo contrário! Eu mesma adoro viajar e assistir a um espetáculo profissional em São Paulo. O problema não está ai. Critico aqueles que SÓ fazem isso! Que não interagem com a cidade, com as pessoas. Que assumem a postura do explorador: “só tô aqui, pra ganhar dinheiro!” Essas pessoas com certeza não deixaram saudades quando forem… na verdade penso que elas não deixam saudades pra ninguém!

Mas é isso! Vamos ao teatro! Vamos estudar teatro! (…) Engenharia também… mas isso será outra vitória.

Janisse Carvalho – Atriz, professora de Teatro, Psicóloga e professora universitária. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *