O ser analógico – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

O ser analógico é essa espécie em extinção, da qual eu faço parte.

Imprensado entre dois séculos, o ser analógico não sabe usar muito bem os aplicativos da nova era, mas sabe que é imprescindível domar esses animais para não ser devorado por eles. O problema é o exagero, isso que os seres tecnológicos chamam de dinamismo, agilidade, mas que não passa de pressa. Outras coisas que incomodam o ser analógico é a agressão cada vez maior à língua portuguesa nas postagens e mensagens e a ostentação de aparelhos e suportes e plataformas que servem mais para ser mostrados, na tentativa de causar inveja, do que comunicar efetivamente.

Eu sou um ser analógico, aquele que acha um absurdo ler textos longos em outra plataforma que não seja o livro, o bom e velho livro, impresso no papel, que vai ficando com um cheiro mais gostoso com o passar do tempo. Sou aquele ser que tem saudade do fax, do telex, da máquina de escrever, mas sabe que isso tudo não tem mais vez, a não ser na memória afetiva de quem viveu a maior parte de sua vida envolvido com esses equipamentos.

Sempre achei que chegaria o dia em que eu seria tratado como o avô do homem de Neanderthal e isso já está rolando. Sou considerado alguém muito atrasado no tempo e tudo o que aprendi pode ser desqualificado por qualquer idiota que não sabe nada, mas domina toda essa parafernália modernosa. Pensando bem, até que tenho me virado de forma satisfatória (para os meus padrões), com umas derrapagens mais feias, aqui e ali, quando é necessário baixar ou enviar um arquivo, por mais leve que seja.

Para meu consolo, vejo muitos seres analógicos por aí, existem muitos ainda, mais do que você imagina. Outro dia, vi um desses seres analógicos tentando ressuscitar um orelhão. Orelhões já não funcionavam quando só existiam eles, imagine agora, que estão caminhando (se é que já não chegaram lá) para o museu.

Uma vez, aqui em Macapá, antes da massificação do celular, tentei fazer uma ligação de um orelhão. Foram tantos orelhões que testei nesse dia que, quando vi, já tinha percorrido todo o caminho que me levava à casa do amigo com quem desejava falar. Foi mais fácil falar pessoalmente com ele do que encontrar um orelhão que funcionasse.

Hoje, vi um ser analógico numa lanchonete de um shopping, que é uma espécie de templo da galera tecnológica. Numa sequência de mesas cheias de seres tecnológicos com seus smartphones e notebooks e tablets, estava um ser analógico, como uma visão do passado, escrevendo com caneta esferográfica num caderno! Que coisa mais analógica!

Sei que este tipo de texto pode descambar para o saudosismo, como se a gente tivesse nadando contra a maré ou repudiando os avanços. Mas não é nada disso. Eu tenho consciência do quanto é importante ficar ligado, mas, sempre que posso, revivo momentos de um tempo em que havia tempo para tudo. Ouvir um disco de vinil acompanhando a letra no encarte, por exemplo.

Alguns parágrafos acima, falei da máquina de escrever. Volto a falar agora, já que sinto orgulho de ter iniciado minha carreira de redator publicitário batucando uma máquina dessas. Hoje, cercado de seres tecnológicos e computadores e outros aparelhos dessa modernidade, e dessa “agilidade” de meninos que dispõem de muita tecnologia e quase nenhuma imaginação, me reservo o direito de ficar retornando a um tempo em que as coisas eram feitas com menor velocidade e muito maior cuidado e competência.

 

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