Poema de agora: EU E DONA ONÇA – Obdias Araújo

EU E DONA ONÇA

Quando caiu a ficha era tarde.
Era muito tarde.
A imensa canguçu exibia
Para mim suas enormes presas.
Confesso nunca ter
Sentido tanto medo.

As pernas pesavam
Toneladas de covardia.
Os pés literalmente
Pregados ao solo.

Cravados no guarda-mão
Da espingarda meus dedos
Pareciam as garras aduncas
Do Urubu-Rei.

Os colegas bem que
Me alertaram do perigo
De ir até o igarapé naquele horário.

Na selva amazônica
A tardinha é conhecida
Como a hora da onça beber água.
Ninguém deve ir até lá.

Mas a vontade de comer
Carne de caça era maior
Que o medo e a prudência
Aos 19 anos não existe.

O Henricão disse que
Se eu queria mesmo ir que fosse.
Mas levasse a 12 de dois canos
Pelo menos três cartuchos
E um dos cachorros.

Dispensei os cães
De meu colega de farda
E me embrenhei
Nas matas do Lourenço
Levando apenas o Smith Wesson
Calibre 38 e a velha lazarina
Que pertencera a meu pai.

E agora ali estava eu
Segurando a espingarda descarregada
Encarando uma Canguçu
De cento e vinte quilos
Que estalava as orelhas
Arreganhando os dentões
Enquanto decidia entre eu
E o filhotão de veado
Atirado no quarto traseiro.

Minha embiara farejou a pantera
E isso foi a sua perdição.
O formidável felino caminhou
Lentamente até sumir por detrás
De um morrinho coberto
Por mata-pasto
E ressurgiu triunfante trazendo
Preso entre os dentes
O veadinho morto.

Nessa noite mais uma vez
Eu ouviria o Musi-Wolks
Comendo sardinha em lata
Com farinha e café…

Obdias Araújo

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