Memorial do fruto migratório
De tudo me abriguei no poço.
Afoguei assim, convicto e diáfano,
Meu tímido cadáver num tempo úmido
De desdouro e solidão.
Escolhi o esquecimento.
O pouco, o sono, o torto.
Um anjo intragável de interrogações
Intangíveis e pretéritos perdidos.
(Peito louco
De quedas e desmesuras.
Pequenos autocídios
mal alimentados)
Inacabo nesse porto
Vertebrado em coração,
Condensado de parênteses e pedras,
Relicário e reticência.
De tudo me exilei na pausa.
Parto ficando,
Intervalo de meus ossos
Nas sombras dos orvalhos:
O que não anda, nem descansa.
Anda nos meus poros
De demônio deprimido
O que devasta e o que constrói,
O que navega e o que se voa,
O que se beija e o que se basta.
De tudo, escolhi o fundo.
O fim, o si e a ré.
Escolhi a chuva,
Escolhi o chumbo,
Ir sem bússola ou búzio.
Escolhi o poço.
O cadáver,
O tempo rouco,
A queda, o pouco.
O torto, a pausa,
O basta e o porto.
E em poço é que me fui de ponte.
De carne-tronco, degustei do eco:
Matéria prima do que se foi.
O que conjura na palafita,
Passo-chuvoso do sol futuro
De alento morno.
Da ponte, escolhi o fundo
Do mundo que virá:
Alvorada de rubras cordas
A fulgurar tábuas e frutos.
Cidades a derribar,
Seguir para migrar.
Sorrir, sofrer: amar.
Durar, entrelinhar.
Júlio Miragáia