Poema de agora: REVEILLON – Luiz Jorge Ferreira

REVEILLON

Hoje estou Canibal
Arranho os dentes de encontro aos vidros da janela…Fechada.
Que a miragem transformou em asas.
Quero mastigar a chuva antes que a seca grama do quintal lhe beba cada gota.
Quero com a voz rouca ordenhar os idiotas.
E espalhar suas lógicas, sem lógica, no parapeito liso do décimo sexto andar.
Estou me sentindo faminto…mordendo as frases que não entraram em meus ouvidos…


As oxítonas sem oxigênio, as vibrações da folha de um açaizeiro quando no cimo de sua folhagem passa um Airbus da FAB.
Quero latir com os cães todo o alfabeto grego, quero o enredo de Machado de Assis, para atirar nos Brasis que minha memória cria, e sepulta.
Não chamarei na procissão as senhoras phutas porque elas já tem o perdão.
Morderei no quadro da natureza morta de Van Gogh, as cerejas, sobre a mesa, debaixo delas o espaço do Ontem antes dos pincéis.

Um Canibal a estraçalhar as almas que perambulam atônitas no cais.
Onde o sal do mar se adoça n’agua do Rio.
Onde o frio se requenta na sarjeta sob o papelão,
que aqueceu quilos de lingeries rendadas, e sobras de vestidos pret à Porter.

Um Canibal volta para casa arrastando a lua apaixonada,
despedaçada de saudades, e arranhões disfarçados de pequenas estrelas.

É noite sobre os ombros da vida…
O Canibal se sufoca em seu próprio choro.
Amanhã! Começará de novo.

Luiz Jorge Ferreira

* Do livro de Poemas “Nunca mais vou sair de mim sem levar as Asas” – Rumo Editorial – 2019 – São Paulo.

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