À época eu trabalhava no açougue do João do Roque que também era dono de um matadouro localizado às proximidades da Fortaleza de São José, tempo em que a orla da cidade era povoada por palafitas que iam da fortaleza a baixada do Elesbão.
Era nesse aglomerado de barracas construídas na praia que se destacava o matadouro aonde o gado, chegado de canoa, era desembarcado com a maré alta e mantido em currais de madeira até o momento do abate.
Certa noite ouviu-se fortes mugidos vindos das bandas do curral, fato que ninguém deu muitas importância, já que era comum uma rês cair e ser pisoteada pelas outras na disputa pelo espaço. Mas como os gemidos continuaram noite a dentro o vigia resolveu verificar o que estava acontecendo.
Pegou a lanterna e dirigiu-se para o local de onde vinham os mugidos. O que viu foi simplesmente chocante: um novilho sobre uma poça de sangue debatia-se sem a metade da “bunda”, retirada à faca, provavelmente por um canoeiro, dos muitos que encostavam no trapiche do matadouro para embarque e desembarque de mercadoria.
*(Antonio Juraci Siqueira, Acontecências – crônicas da vida simples. Edições Papachibé, Belém, 2010).Contribuição de Fernando Canto.