A Bailarina do Igarapé

Todos nós temos um talento que se manifesta desde a infância e passamos a desenvolvê-lo durante a nossa trajetória de vida, e foi ainda na escola participando de tudo que envolvia a dança, em casa assistindo aos DVD’s de Ivete Sangalo, da banda Calypso, Rogger entre outros para aprender as coreografias que Ellen Sousa, entre seus 8 e 10 anos, já demonstrava habilidades para a dança. Sua paixão pela arte levou a explorar diversas vertentes da dança como b-girl no hip-hop, dança de salão, quadrilha, ballet e o fitdance, tornando-se uma artista completa e uma dançarina versátil que consegue adaptar-se facilmente à diferentes estilos dessa arte, onde domina não só a parte técnica mas também a capacidade de transmitir emoção através de seus movimentos, deixando sua marca por onde passa.

Além de sua carreira no mundo da dança, Ellen também é bacharela em pedagogia, e como coreógrafa e professora de dança, já dirigiu e atuou em inúmeras apresentações que encantaram o público e receberam elogios da crítica especializada. Participou de campeonatos nacionais e coleciona prêmios conquistados nesse percurso, mas como toda artista também superou dificuldades: entre o olhar do racismo, condições financeiras e a falta de apoio – em especial da família – o fardo foi pesado, “quando voltei com 12 anos para o ballet, a convite de um professor que me ofereceu uma bolsa na qual não precisaria pagar nada, eu insisti muito para que minha mãe deixasse, ela disse que ‘sim’ depois de muita insistência mas deixou claro que nunca me apoiaria e que não era para pedir nada a ela”, relembra Ellen.

Muito apreciado na sociedade europeia, o ballet é uma forma de arte performática originada na corte italiana do século XV, evoluiu na França no século XVII e se tornou popular na Rússia no século XIX. Secularmente elitizado, o registro da primeira pessoa negra a dançar no palco de uma companhia no Brasil, foi Mercedes Baptista em 1948 e mesmo reconhecida mundialmente como símbolo da luta pela inclusão racial no Ballet, existem poucas produções acadêmicas, jornalísticas e fotográficas a seu respeito disponíveis.

“Nunca conheci nenhuma bailarina de renome que fosse preta, na qual eu poderia dizer que tal bailarina me inspirou por ser preta. Nunca conheci, mas acredito que tenha, porém eu nunca ouvi falar. Isso me frustrava porque meu sonho de ser alguém diminuiu porque nunca vi”, comenta Ellen.

O Lago dos Cisnes é uma das peças mais marcantes do ballet clássico mundial. O Teatro Bolshoi, de Moscou, estreou o espetáculo em 1877, com a coreografia elaborada por Julius Reisinger a partir de uma composição encomendada a Tchaikovsky e teve o seu primeiro casal de dançarinos negros com papel principal em 2012, Ellem recorda das sensações que sentiu quando estrelou a primeira vez a um espetáculo, “tudo era escolhido para elas, para o tom de pele delas, maquiagem, penteado… Sofri bastante. Durante a dança alisei o cabelo uma vez, e depois fiz uma progressiva justamente por me sentir bastante inferior por conta do cabelo”.


Se já não bastasse as dificuldades para permanecer no ballet e se manter entre as melhores, Ellen tinha que sonhar sozinha. Por ter escolhido a sua paixão dentro do campo das artes, onde a aceitação familiar é baixa pois veem como uma carreira ou um negócio pouco promissor, e isto acentua-se principalmente quando se vêm de condições economicamente inferiores, onde a exigência é sempre a emergência por recursos financeiros. Ellen lembra das dificuldades emocionais enfrentadas para se tornar uma referência no ballet, “os piores momentos era ao sair de festivais da companhia e não ter ninguém da minha família para me receber, bater foto, apoio, essas coisas… lembro que me arrumava e passava pela escadaria do teatro e via os pais, responsáveis, tios e irmãos tirando fotos, abraçando, saindo para comemorar… me via sozinha, pegava minhas coisas e ia para a parada de ônibus… isso era em todas as apresentações, minha mãe assistiu a duas apresentações, uma incompleta”.


Aos 23 anos, em meio a uma série de novos desafios e responsabilidades, passou a trabalhar como profissional e teve que conciliar sua carreira com a maternidade manteve-se ativa nos palcos até o oitavo mês de gestação e retornou três meses após o nascimento da Joelly, sua única filha. “Minha filha sempre me acompanha desde de bebê nas danças por aí, na igreja ia em todos os ensaios e sabia todas as coreografias, hoje ela é apaixonada por dança”, mãe dedicada, Ellen embala os sonhos de sua filha para o mundo da dança e já a orienta sobre assuntos como letramento racial e identidade étnica que a pequena, hoje aos sete anos, expõe e questiona.

O ensaio denominado “A Bailarina do Igarapé” feito pelo fotógrafo Willy Myra no Igarapé das Mulheres, Orla de Macapá feito com a Ellen, tem a proposta de dar visibilidade e empoderamento e mostrar o contexto da realidade amazônida, tendo passado pela curadoria de dois prêmios internacionais de fotografia, a bailarina Ellen Sousa entusiasmada conclui: “inspirar outras mulheres e crianças pretas ao ballet e mostrar que, independente da cor e classe social, elas podem ser grandes bailarinas. Nas aulas de ballet vejo muitas crianças pretas me vendo como inspiração e o ensaio também promove isso… fora a oportunidade de mostrar meu trabalho”.

Sua história é uma inspiração para todas as mulheres que desejam seguir os seus sonhos, inclusive Ellen ainda sonha em fazer turnê junto a uma companhia de ballet mostrando seu trabalho no Brasil e quem sabe no exterior. A dança, além de ser uma arte, é uma expressão e realização pessoal, e pode possibilitar a manutenção financeira quando empregada corretamente, e, vale lembrar que toda alma artista vive para voar alto e realizar os seus sonhos.

Texto e fotos: Willy Myra – @myralab.photoart

  • Foi uma honra poder fazer parte desse trabalho e contar minhas histórias , e muito mais importante que mostra minha história é poder inspirar não só criancas mais todos no modo geral , que dança também pode trazer renda… hoje eu vivo da arte da dança. Muito obrigada pelo convide @Willy

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