Certidão de nascimento – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Perdi minha certidão de nascimento. Muito confuso. Tentei retira-la em Osasco onde eu moro. Procurei os cartórios, mas em vão. Única saída é ir até Belém do Para e localiza-la no cartório em que fui registrado ainda recém nascido.

Conseguido o telefone liguei e para minha surpresa, negaram-me o documento. A única maneira para consegui-lo informaram é que eu vá até lá.

Que eu vá até lá para ter uma conversa com o Cartorista que lavrou meu documento e converse com ele e leve a esperança que ele me reconheça.

Daquele dia para hoje, passaram-se, mais de cinquenta anos. Bela memória. Deve ter a alma deste homem.

Sem dinheiro procurei o Braz para solicitar algum emprestado.

Haja visto que a vizinhança cochicha que ele foi premiado com uma grande quantia num sorteio da Mega Sena. Encontro com ele no Jardim dos Anjos em uma manhã fria de julho. Mas em vão, estava calado não me reconheceu e um pouco depois foi sepultado em uma gaveta extremamente decorada com azulejos portugueses. Ficou o dito por não dito!

Mesmo assim vou a Belém. Vou caminhando pela margem da rodovia Belém Brasília. Espero chegar ainda a tempo, se não corro o risco de ser detido no meio da rua por uma ronda policial.

– Documento Cidadão! E mesmo que eu entregue CPF, IPVA, IPTU, RG, FGTS, Carteira Profissional, Números de Telefones, Impressões Digitais, E-mail, Senha da Uol, Signo, Sinais, Cacoetes, Vício, Hábitos, Roncos? E a Certidão de Nascimento? Pergunta a autoridade.

E eu ali revistado por e sem a Certidão de Nascimento e balbuciando com voz tremula o lugar aonde nasci. Estou frito penso comigo mesmo. – Que ano nasceu Cidadão. Parto Normal? Induzido? Fórceps? Cesariana? – Comeu Mecônio?

Sem Certidão de Nascimento. – Hein?

Prende ele. Diz um Cabo. – Solte-o! Ordena um Capitão. Se nem nasceu não existe. E se existe pode ser “de menor” se é “de menor” não pode ser preso.

Mas não deve estar na rua há esta hora, sozinho. Procurem a sua mãe.

Enquanto discutem a legalidade da ordem. Saio de fininho com minha bengala na mão, procurando não fazer muito ruído.

Sem certidão de nascimento não sou nada, e sem ela na mão, não me deixam entrar mais de volta no asilo.

Este pensamento é que aumenta o frio.

*Do Livro “Defronte da Boca da Noite ficam os dias de Ontem”. Rumo Editorial São Paulo Brasil – 2020.

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