Decisão da 2ª Vara Cível de Macapá autoriza que amapaense doe parte de seu fígado para menino maranhense na fila de transplantes

A 2ª Vara Cível da Comarca de Macapá proferiu, em tempo recorde, no dia 08 de novembro de 2022 (o processo foi distribuído na véspera, 07/11), decisão que autorizou o amapaense Mateus Furtado da Cruz, 22 anos, autor do pedido (processo nº 0049395-31.2022.8.03.0001), a doar parte de seu fígado ao menino Dérick Hanglis Monteles Pereira, de 7 anos. O garoto sofre de hepatopatia crônica e aguarda há dois anos na fila de transplantes.

Dérick, que é natural do Estado do Maranhão, e atualmente se encontra internado no Hospital Sírio Libanês, foi diagnosticado com provável colangite esclerosante – doença autoimune caracterizada por inflamação e fibrose de dutos biliares intra e extra-hepáticos.

O doador viajou para São Paulo no último dia 15 de novembro para viabilizar o procedimento, que deve ser realizado ainda este mês. De acordo com o pedido, a retirada parcial do fígado do doador não impede seu organismo de continuar vivendo sem riscos ou comprometimento de suas aptidões vitais, mas, ao mesmo tempo, atenderá uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável para o receptor.

Segundo laudo médico, a doença encontra-se em estágio avançado e tem indicação de transplante do fígado o mais rápido possível devido aos riscos de agravamento e até para a própria sobrevivência do garoto. Foi neste contexto de necessidade de ver a cura e o prolongamento da vida de Dérick, que o jovem Mateus, sensibilizado com o sofrimento da criança e seus familiares, decidiu doar parte de seu fígado.

De acordo com a defensora pública Marcela Ramos Fardim (DPE-AP), quando Mateus procurou a DPE após já realizados todos os testes de compatibilidade, precisou da autorização judicial e inclusive da aceitação por parte da mãe do garoto Dérick, por não ser parente do receptor. “Ajuizamos a demanda e entramos em contato com o juiz, que encaminhou de imediato ao Ministério Público, com quem também entramos em contato no mesmo dia para sensibilizar quanto à importância de um trâmite rápido”, relatou.

“É muito gratificante ser defensora pública, por diversos motivos, mas nesse caso em especial significou dar voz a uma criança que está aguardando há tanto tempo na fila de doação de órgãos”, ressaltou a defensora. “A mãe dele se emocionou muito ao receber a notícia e o Mateus também ficou muito feliz”, registrou, “ela fazia a hemodiálise há algum tempo e foi muito importante para ele e todos os envolvidos”.

A promotora de Justiça Gláucia Crispino (MP-AP) ressaltou o prazo recorde em que tramitou o processo, pois em apenas 24 horas o pedido de alvará foi ajuizado, distribuído e teve parecer do MP (dia 07/11), com julgamento procedente e expedição do alvará pelo juízo no dia seguinte (08/11). “Quando analisei o processo ainda faltavam alguns documentos que normalmente pediria para que a defensora juntasse e o juiz fixaria um prazo, então demoraria uns dias. Mas pedi por telefone para a defensora Marcela Fardim juntar, o que ela providenciou na mesma hora”, relatou a promotora.

“Assim, preenchidos os requisitos, pude dar parecer favorável, já que estava de acordo com a lei. Foi um recorde de celeridade devido ao objetivo, que era salvar a vida de uma criança”, acrescentou.

“Por se tratar de direito à vida, especialmente de menor impúbere, o MP, zelando pela defesa dos direitos indisponíveis da criança, em conjunto com Defensoria e o Judiciário, num esforço conjunto contra o tempo, buscou acelerar ao máximo, dentro dos parâmetros legais, sempre em busca de salvaguardar a saúde e a vida do menor”, concluiu a promotora.

O Receptor

Desde 2020 Dérick batalhava por sua vida em uma peregrinação que buscava diagnóstico e tratamento. Ele partiu de Grajaú (MA), passou por Imperatriz (MA), Teresina (PI), São Luiz (MA), e, desde o final de 2020, está em São Paulo (SP) – em uma casa de apoio, junto com sua mãe. Vários parentes, incluída a mãe do menino, Taynan Apinage, testaram sua compatibilidade com Dérick sem sucesso. Mas foi por meio de uma amizade, criada durante o tratamento, que a história do garoto chegou aos ouvidos do futuro doador.

A mãe de Dérick explica que o transplante já deveria ter ocorrido, mas, devido uma mudança no quadro de Dérick, foi adiado para, provavelmente a próxima semana (de 28/11 a 02/12). “O Dérick tinha uma vida normal até março de 2020, quando adoeceu e não conseguíamos entender a doença ou o motivo da gravidade”, explicou Taynan.

O agravamento da doença e a busca por especialistas ainda encontraram como obstáculo o começo da pandemia de covid-19, que lotava hospitais e ocupava leitos de internação e por vezes os impedia de atender pessoas de outras cidades e outros estados. “Ele apresentava muita icterícia e raquitismo e os médicos viram que era urgente a entrar com uma medicação (…) mas com o tempo os medicamentos não resolviam mais e, já em São Paulo, a médica nos disse que o fígado do meu filho já estava muito comprometido e no caso dele seria necessário um transplante”, lembrou Taynan.

Com vários voluntários se oferecendo para doar, inclusive de fora da família e recém-conhecidos de São Paulo, mesmo os que tinham o tipo sanguíneo necessário foram descartados por outras razões de saúde. “Aqui conheci a Simone, que veio a São Paulo fazer um tratamento no filho, e quando ele teve alta, ela nos pediu as informações das campanhas online que estávamos fazendo, conversou com Mateus e ele se disponibilizou a fazer os exames e doar parte do fígado ao Dérick”, relatou.

Após bem sucedidos os exames para confirmar compatibilidades, saúde do doador e mesmo entrevista com psicólogo, Mateus ainda precisou iniciar, junto à Defensoria Pública, a ação judicial de pedido de alvará judicial da doação, pois mesmo direcionada, o hospital exige confirmação de juiz quando o doador não é da família. “Temos muito a agradecer ao Mateus, à sua família e a todos que nos ajudaram e a Deus, que nos sustentou até agora, pois já vi muitas famílias perdendo seus filhos com problemas semelhantes, mas até agora Dérick e nós estamos resistindo”, afirmou.

“No início do ano quase perdemos o Dérick, que teve muita hemorragia, mas conseguiu sair daquela situação… hoje já está andando e está melhorzinho”, relatou. “Rezo para que seja um transplante bem sucedido, que possamos voltar à nossa vida normal e Dérick possa voltar à escola, aos primos à brincadeira e uma infância saudável”, concluiu.

O Doador

Mateus Furtado da Cruz é de uma família que tem a doação de sangue e medula como uma tradição. Com mãe cardiopata – que quase precisou de transplante há algum tempo – e pai doador de sangue e medula – que não pode mais doar medula pela idade, mas segue doando sangue regularmente –, Mateus se viu sensibilizado ao saber do drama vivido com Dérick por meio de uma prima, que fez amizade com Taynan (mãe de Dérick).

Envolvido em projetos sociais por influência da mãe, Matues conheceu Dérick por meio da prima Simone Cruz, que acompanhava o tratamento do filho em São Paulo, e “enquanto fazia o cabelo dela no salão, ela me falou da situação do Dérick e perguntou minha tipagem sanguínea e, confirmada essa compatibilidade inicial, já me dispus a fazer todos os demais testes, e foram muitos exames”.

“Queria que as pessoas abrissem o olho para essa realidade, conhecer projetos que apoiam o público que precisa de doações de órgãos, pois podemos ajudar sem perder qualidade de vida”, incentivou Mateus. “Tenho um filho de quatro anos e não posso imaginar ele passar por isso, de talvez não poder chegar aos 18 anos por falta de uma doação como essa”, ponderou. “Só de poder ajudar uma criança, dar a chance de ela viver mais, nossa… isso não tem preço”, concluiu Mateus.

Serviço:

Texto: Aloísio Menescal
Fotos: João Magnus
Contato: (96) 3312.3800
Assessoria de Comunicação Social do TJAP

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