Embrulhando o Outono – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Ele há muitos anos não bebe água…
Ocupado em recolher as datas, as que são ocupadas por episódios trágicos.
Arranca dos Calendários da parede as folhas numeradas com dia do mês e dia da semana.
E as coloca dentro de um saco de plástico bege que chama de Existência.
Sua mulher doutro lado da sala, onde nós últimos anos eles transformaram em sala, quarto, cozinha e área de na banho,.. O observa em silêncio…sua ocupação, aparar as bordas desniveladas da papelada que ele ensaca para lhes dar um primoroso acabamento…


Ele não bebe água…embora a vasilha que ela encheu da bica que a chuva enche e deixa escorrer abundante, estivesse chegando ao meio só ela havia consumido o líquido.
Ele, da água não beberá.
Estava magro e ressecado, como uma mala velha de couro, e sua calça e camisa pareciam tão secas como ele próprio.
Estava recolhendo o que ele próprio chamava de existência…


Os discos, as fichas telefônicas, as gaiolas onde pulavam os curios, o tapete espesso onde procriaram três gerações de gatos siameses, e estampilhas de imagens de toureiros, damas tocando castanholas, e espadachins portentosos.
Um monte de sacos amontoados no caminho do antigo corredor que ia rumo ao quintal desaparecerá…o barulho da televisão, agora mas um chiado continuo, que fala audível, se fazia presente…
E vários pacotes de vela, para serem acessas em sequência, pois a tempo se fora a luz elétrica, não que não tivesse, foram se as lâmpadas, vieram as velas.


A casa era triste…as dobras da rua defronte pareciam querer fugir dali…mas ele não bebia água…
As árvores plantadas no quintal decorando de folhas o chão não eram de madeira, eram agora de papel machê, porque também não bebiam água…
Ele catando passos, falas, espirros, algazarras, sorrisos, e desenhos feitos a mão, em determinado momento, cuja a única testemunha eram os ponteiros do relógio, que ele usará para prender um cadaço de sapato na parede para dependurar coisa esquecidas…


Um caos…a própria vida começou a evitar aquela casa.
A noite passava ao largo.
A chuva deixou de vir…
Um silêncio triste, sentou debaixo das árvores, e ficou calado.
Tudo era um traçado de ensacar coisas deles, e de tudo o todo.
Ela doutro lado da então agora uma coisa qualquer chamada antes de sala, se transformou, em água.
E ele cabisbaixo entrando no derradeiro saco, não bebeu.

Luiz Jorge Ferreira.
Osasco…26.11.2022
São Paulo…Brasil.

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