Mais um dia de rebeldia – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Acordo despreocupado com a perspectiva de enfrentar mais um dia. A gente acaba se acostumando. Esta é a vida que se foi construindo até aqui. Vida feita de vontade de romper com o mundo, apesar de omissões e covardias.

Romper com o mundo. Pensei nisso aos 12 anos, aos 18, aos 35. Agora, aos 56 anos, já não tenho ânimo nem de lembrar que um dia tive arroubos de rebeldia.

Ultimamente tenho pensado nessa coisa de rebeldia e vou usar aqui um palavrão do momento: ressignificar. É isso que venho fazendo: ressignificando tudo. É um exercício, um aprendizado. Já ressignifiquei o Círio de Nazaré, o Natal, o fim/começo de ano… Ressignifiquei sentimentos, valores e pessoas. Mudei de casa, de relacionamento e de ideias. Mudei apenas para que eu possa continuar sendo um novo homem. E esse novo homem que sou é o mesmo homem que sempre fui. Uma criança que nasce cada vez que abre os olhos para um novo dia.

Sim, ressignifiquei minha rebeldia. Se o “normal” é burlar a lei, a rebeldia está justamente em fazer o contrário: seguir a tal da lei, obedecê-la. Por isso eu atravesso na faixa destinada aos pedestres. Por isso eu jogo o lixo dentro da lixeira. Por isso a primeira coisa que faço ao entrar num carro é colocar o cinto de segurança. Por isso não furo fila. Continuar sendo honesto em meio ao mar de corrupção, isso é rebeldia. E nem é algo sobrenatural. Quem é assim não sabe ser de outro jeito. Mesmo que os seres honestos possam ser chamados de atrasados e até de otários, faz bem insistir. Na verdade, faz toda a diferença.

Na adolescência, fui um rebelde diferente do rebelde que sou hoje. Ou mais igual ao que se espera de um ser minimamente revoltado. Minha rebeldia me fazia renunciar à ingestão de Coca-Cola, reconhecendo nela a bandeira do imperialismo ianque fincada no território dos nossos intestinos. Eu andava com um prego, de tamanho considerável, riscando os carros da burguesia sempre que surgia uma oportunidade. Naquela espécie de insurreição solitária, eu jurava que estava dando a minha contribuição à revolução, vandalizando um pouquinho a propriedade privada. Não me arrependo. Mas lembro também de uma rebeldia tola, de quando eu tinha 18 anos: mijar na pia do banheiro dos bares, e não no vaso sanitário. Uma transgressão que admito, hoje, ser só babaquice mesmo. Tive minha fase de rebeldia filosófica e não foram poucas as vezes em que arremeti contra Deus a minha ira santa, elegendo Lúcifer como o primeiro guerrilheiro a enfrentar a tirania divina, que teve de amargar exílio e maldição. Hoje, Deus e o Diabo estão devidamente ressignificados e os dois convivem muito bem.

Por isso, hoje, sou rebelde de verdade. E parece que mais terrível, pois os inimigos não estão preparados pra enfrentar quem luta com a verdade estampada em cada gesto. Honrar compromissos, cumprir a palavra, ter boa vontade são ofensas a quem só compreende atitudes espúrias, pra quem acha natural que um sujeito enriqueça em sucessivos mandatos públicos sem ter que trabalhar. Podendo até chegar ao mais alto posto da nação.

Obedecer à lei da consciência, ter sonos tranquilos, despertar com bom-humor, estar atento ao sentido de justiça e jamais deixar de perceber o canto de um pássaro. E querer bem, querer o bem, sempre o bem. Dos outros e de todos. Eis a minha rebeldia de hoje.

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