O violino do bar Ojuara – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Local onde funcionava o Bar Ojuara, na Rua General Rondon, em Macapá. Foto: Fernando Canto.

Conto de Luiz Jorge Ferreira

O garçom tocou de leve no seu ombro…Eduardo levantou os olhos e pegou da bandeja a xícara de café e um prato com um pãozinho assado na chapa… era o seu habitual pedido…

Havia saído da última aula daquele dia e aguardava a passagem de sua mamãe para se encaminharem a Igreja onde ela prestava serviço secretariando a Arquidiocese de Macapá.

O estabelecimento misto de bar e mini padaria, ficava defronte a praça onde se erguia uma Cruz, cercada de batentes onde os devotos acendiam velas em ocasiões especiais, gerais, ou às vezes muito íntimas.

Folheou aleatoriamente o caderno brochura de 8 matérias…Cujo o nome do seu dono estava desenhado em letras góticas cheias: Eduardo Corrêa Alves.

A foto que embelezava a capa era representada por uma pintura de um dos mestres italianos e mostrava a subida de vários grupos de pessoas  em direção a uma nuvem colorida, com certeza se entendia como o sol…

Doutro lado da praça do cruzeiro, nome que havia dado a praça da grande cruz… ficava o cemitério… ocupado por um silêncio enorme só cortado por um ou outro barulho vindo do bando de periquitos que se deliciavam com os frutos das mangueiras por ali espalhadas.

Na última mesinha próxima ao banheiro masculino estava a moça de sempre, sua companheira de horário, hoje não trazia o estojo de seu instrumento musical,  o que muito lhe intrigava para saber o qual seria…

Mas não a conhecia… nem nunca trocaram cumprimentos, afora um leve balançar de cabeça, de sua parte… nem imaginava se correspondido.

 

Dirigiu-se ao banheiro, demorou mais que o normal, passando fio dental entre os dentes recém obturados, imaginou que agora aos 15 anos, redobraria os cuidados com eles… Tinha ódio do barulho do motor da obturação.

Voltou e viu que a moça havia saído. Nem o leve balançar de cabeça não lhe daria. Olhou ao redor da mesa em que ela estivera e viu uma sacola no chão entre duas cadeiras . Apanhou e viu que era o embrulho que ela sempre trazia consigo.

Abriu o estojo… era um violino. Guardou e foi até o rapaz que o servia todos os dias. Ela esqueceu. Leve e traga amanhã.

Não deixo comigo, porque não tenho onde guardar e de noite são outros funcionários… quem vai se responsabilizar. Você vem a semana toda, amanhã trás e lhe entrega. Caso ela venha perguntar se esqueceu aqui, digo que você vai trazer..

Você… é?

Eduardo Corrêa Alves…

Então está combinado… e se afastou para dar prosseguimento ao seu trabalho…

Duas manhãs, Eduardo chegou mais cedo que o de costume… desta vez comeu um pão na chapa e tomou 3 cafés… esperou até um pouco além do horário que ela costumava sair… olhava… olhava e não veio… quando chegava perguntava ao Heitorzinho um amigo que costumava cumprimentá-la pelo nome nas poucas vezes em que os três estiveram  por ali na mesma ocasião… não tenho visto…

Estás interessado? Porque não falastes… te apresentava. Eduardo desconversava e saía com o estojo.

Eduardo fazia aulas de violino com sua mãe que já há muito tempo formada dava aulas de música na igreja matriz e tinha alunos particulares em casa…

Soube, por intermédio de outro amigo de escola, chamar-se Ângela…

Nos dias em que sua mãe recebia os alunos, costumava tocar algumas músicas enquanto estavam todos eles sentados na sala, coisa que lhes distraiam enquanto sua mãe arrumava as partituras das aulas daquele dia na estante…

Tomou um susto quando a viu entrar na sala, por pouco não trasteja a nota que fazia.

Depois soube que se matriculara para aprender violino, que agradecer a muito a devolução do instrumento.

E deixou um agradecimento escrito que D. Célia, a empregada, o entregou dali a mais de mês. Nele ela dizia ter acompanhado na Igreja suas apresentações,  e na escola lhe ter descoberto duas salas depois da dela e no Ojuara, esse era o nome do bar ter levado o violino dentro do estojo, por fim dentro da sacola para atrair sua atenção, e combinado com o rapaz garçom ter o “esquecido”.

Resolvida fora se matricular com sua mãe e chegava cedo para lhe ouvir tocar, principalmente as Valsas Vienenses e de Vivaldi as quatro estações …

Pronto. Ponto final.

Eduardo morreu de apendicite daí a um mês voltando de férias com sua mamãe em Marajó, foi em uma sexta-feira de 1965.

Passamos indo para o sepultamento… Alípio foi… Heitorzinho foi… Tadeu foi… O garçom acompanhou da porta do bar Ojuara… ela eu não vi… mas assim que entramos no cemitério e circulamos o túmulo, um som de violino se espalhou juntando-se  as lágrimas dos amigos presentes, que caiam no chão ressecado…

Professora Katy, a mãe dele, emocionada se aproximou de mim, e sussurrou… Vivaldi. Ele adorava as quatro estações. É o que estão tocando.

Balancei a cabeça afirmativamente… depois caminhei sozinho para casa pensando que todos os fatos que presenciei ficariam muito longe.

Mas hoje quando passo defronte do cruzeiro em frente ao bar, ao longe, pareço escutar o violino agora tocado pelo tempo trastejar em dó sustenido menor. Vai ver que, em algum momento, ela para o seu espanto o reencontrou, e finalmente lhe deu um demorado abraço.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *